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Cristovam Buarque

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Jogar a favor das escolas

O Brasil se incomoda com a derrota no gramado, mas não no ensino

Por Cristovam Buarque
Atualizado em 4 jun 2024, 10h17 - Publicado em 7 jul 2023, 06h00

A população brasileira não se conforma em perder a Copa do Mundo de futebol a cada quatro anos, mas não se constrange em ficar todo ano entre os últimos colocados na avaliação dos sistemas educacionais feita pela Unesco. Felizmente, começamos a perceber a falência do nosso projeto escolar e a entender as consequências para o progresso do país e o bem-estar de cada cidadão quando condenamos milhões de pessoas ao “analfabetismo para a contemporaneidade”, desperdiçando o potencial de cada uma delas para a construção do futuro.

A realidade mostra que os recursos aportados e os programas adotados nas últimas décadas produziram ligeiras melhorias na qualidade escolar, mas sem evitar que continuemos com uma educação deficiente e desigual.

A superação do atraso não está em mais recursos financeiros nem em mudanças homeopáticas. Exige esforço para um salto nas arcaicas e frágeis estruturas municipais. Porém falta ambição para equiparar nosso sistema escolar aos melhores do mundo e para assegurar a mesma qualidade de ensino a todos os alunos. Um programa recente do governo federal se propõe a alfabetizar as crianças antes dos 8 anos, quando já deveríamos ter estratégias para que fossem também alfabetizadas em pelo menos um idioma estrangeiro, como as famílias abastadas proporcionam aos filhos.

“Somos campeões de futebol porque temos uma motivação em comum. E porque a bola é redonda para qualquer brasileiro”

Não há, entre nós, uma consciência de que a educação é o alicerce de uma economia eficiente e de uma sociedade justa. Nem de que o sistema está esclerosado e viciado na própria esclerose, exigindo um novo modelo. Um modelo com professores selecionados entre os mais brilhantes jovens da nação, com novas perspectivas de carreira, formação, remuneração, avaliação e responsabilização. Todos trabalhando em edificações confortáveis e equipadas com os mais modernos métodos e ferramentas da pedagogia. Com todas as escolas em horário integral adotando um currículo adaptado às exigências de hoje. E todos os alunos recebendo o apoio necessário para que possam frequentar as aulas até o final do ensino médio. Alfabetizados para a contemporaneidade.

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A tragédia educacional brasileira continuará se arrastando em seus pequenos avanços até que um plano ambicioso permita ao país ter escolas com a máxima qualidade, dentro de um sistema único reunindo os se­tores público e privado. A maior dificuldade para o cumprimento dessa ideia está na falta de ambição em como a educação é tratada. A qualidade escolar nunca foi obje­to de desejo central para eleitores e eleitos.

Depois de 350 anos de escravidão e mais de um século de apartação social, soa estranha a ideia de oferecer educação de mesmo nível a despeito de renda e endereço. Carece a percepção de que o potencial de cada cérebro não aproveitado representa uma perda para a nação. Não temos sentimento coletivo que nos faça sofrer com o fracasso educacional e sonhar que todos os alunos tenham a chance de serem campeões do conhecimento. Fomos campeões de futebol porque todos temos essa motivação em comum. E porque a bola é redonda, em qualquer lugar e para qualquer brasileiro. O campeonato do progresso exige uma mania por educação capaz de redondear também nossas escolas.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849

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