Um reino perdido na Amazônia: uma história de mistério, farsa e obsessão
Tribos ocultas, mensagens cifradas, agentes do Terceiro Reich e um assassinato em terra brasileira. Autor caça as pistas de um enigma (ou engodo) surreal

Atazanado para sair de casa e levar as crianças à escola numa segunda-feira de manhã, passo pela caixa de correspondência e pego um envelope pardo. Entre gritos e choros, rasgo o pacote de modo desajeitado, trucidando algumas folhas sem querer, e estaco com um bilhete: “Diogo, essas foram as pistas que me levaram a Akakor. Me ajuda com esse quebra-cabeças.”
Junto a cópias de recortes de jornais antigos, mapas e fotos de um velho livro, a mensagem do escritor e documentarista carioca Rapha Erichsen traz consigo a obra que ele redigiu para compartilhar suas próprias obsessões com a história de uma suposta civilização perdida nas profundezas da selva amazônica.
Resolvi aceitar o convite e embarcar na brincadeira, que, logo percebi, se transformou numa espécie de missão (paranoia?) para o autor de O Enigma de Akakor, recém-publicado pela Editora Faria e Silva.
Akakor é esse antro de mistérios que recendem teorias da conspiração. E o percurso de Erichsen até lá, entre farta pesquisa e trilhas pelos Andes, é um fabuloso sintoma de como a mente humana permanece ávida por portais para o desconhecido – mesmo tendo ciência de que eles são brotados dessa mesma fonte instalada em nossa caixa craniana.
O Enigma de Akakor parte de um luto do autor e de uma frase (alucinação?) que não para de ser cochichada ao seu ouvido. E ganha corpo e alma quando seu guru, o cineasta Jorge Bodanzky, resolve compartilhar com ele o material sobre esse segredo (farsa?) envolvendo, nas palavras do escritor, “cidades perdidas, nazistas na Amazônia, assassinatos em série, túneis submersos e um suposto indígena com sotaque alemão”.
Em resumo, para não pecar por spoiler, Erichsen divide conosco sua fixação pelos relatos de um mundo ancestral e com um pé no sobrenatural, plantado pelo homem branco no meio da grande floresta, cujo último representante seria um índio de origem germânica. Nos anos 1970, um jornalista alemão e parceiro de Bodanzky resolve investigar e contar esse causo em um livro – e depois perde a vida com um tiro em Copacabana. Peças para um bom enredo não faltam…
Então misture algumas ideias de Eram os Deuses Astronautas?, o best-seller místico-riponga de Erik Van Daniken (outro personagem da trama), com registros de soldados nazistas no Norte do Brasil e você terá mais algumas pistas que drenaram a atenção de Erichsen por meses a fio. Pistas (e obsessões) que ele converteu num livro instigante – um livro que nos faz titubear entre os limites de lenda e realidade (ou loucura e sanidade) e enxergar sob outro ângulo as próprias origens desses mitos.
Com a palavra, o autor.

Quando olha pelo retrovisor, qual é a lacuna ou descoberta que mais o intriga em relação ao “enigma de Akakor”?
Esta é uma história feita de várias histórias com muitas dúvidas que orbitam esse universo. O tipo de coisa que, quanto mais você escava, acaba encontrando mais dúvidas do que respostas, e talvez esse seja o grande barato. Uma história que envolve dezenas de personagens, de Erich Van Daniken (autor de Eram os Deuses Astronautas?) ao grande explorador Jacques Cousteau, passando por grandes veículos de comunicação, o governo brasileiro e até Karl Brugger, o autor original da história que acabou sendo assassinado. Todos eles se enganaram ou foram enganados pelo enigma de Akakor. É uma história fascinante que até hoje deixa rastros e pistas a quem quer seguir, e provavelmente nunca vamos saber quem está falando a verdade.
Depois de concluir a viagem e o livro, considera-se “curado” da obsessão por Akakor?
Como diz o cineasta Jorge Bodanzky, que funciona como uma espécie de guru para mim nessa história, Akakor persegue para sempre quem quer que se envolva com ela. Mesmo aqueles que não querem se envolver, como o próprio Bodanzky – que sempre quis manter distância e até hoje é atormentado por ela. Eu espero que, com esse livro, eu encontre certa redenção e passe pra frente essa obsessão aos leitores que vão descobrir todo um universo a partir de agora. Mas o fato é que, como falei, quanto mais a gente escava, mais intrigante vai ficando.
No livro, você compartilha a reflexão de que boa parte das histórias e mitos que ganharam nosso imaginário a respeito da Amazônia nasceu do homem branco que invadiu ou explorou a região. Esse foi o grande insight que subverteu sua própria busca pela antiga lenda?
Acho que tem duas fichas que foram caindo ao longo dessa jornada. A primeira foi logo nas minhas primeiras descobertas, que é o fato de o livro ser uma metáfora do mundo que vivemos hoje, infestado de fake news e teorias da conspiração em que grandes trambiqueiros conseguem levar suas histórias a um público enorme de desavisados por redes sociais. No final das contas, este é um livro sobre fake news.
A segunda ficha caiu quando, depois de muita pesquisa e muita busca, concluí que, ao longo de décadas de existência dessa história, os povos originários da floresta nunca foram incluídos na trama, e que nós mesmos não conhecemos tanto o nosso próprio país e as nossas origens. Em tempos de COP30, mudanças climáticas e epidemia de fake news, esse livro é uma provocação pra gente entender o mundo em que a gente vive hoje.