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“Parto humanizado é um direito, não um modismo”, diz autora de HQ

Ao lado do marido quadrinista, a escritora Fernanda Baukat relata numa narrativa gráfica as peripécias e angústias para dar à luz do jeito que queria

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 15 Maio 2024, 11h00

“Não podemos falar de parto agora, pois isso somente eu posso decidir mais pra frente”, “Isso a gente vai descobrir no final da gravidez”, “Não é você quem decide!”, “Doula é perfumaria, totalmente dispensável”. Essas foram frases que a professora e escritora Fernanda Baukat ouviu de alguns médicos em sua primeira gestação.

O ano era 2009 e, ao lado do marido, o quadrinista José Aguiar, ela viveria uma saga em busca de um profissional que a ouvisse e entendesse seu desejo de ter um parto normal e humanizado.

Àquela época, falar do assunto no consultório parecia pecado ou modismo. O cenário felizmente evoluiu, muito embora o Brasil continue um dos recordistas em cesarianas no planeta – por aqui, 57% dos partos ocorrem via cirúrgica, sendo que a média global é 21% e a recomendação da OMS, 15%.

Respeitar o corpo e as vontades da mulher em um período marcado por uma ebulição hormonal e transformações físicas e emocionais nem sempre é uma realidade. Conveniência do médico, entraves dos planos de saúde, sobrecarga no SUS… Muito ainda tem de ser feito para acolher as mães brasileiras, suas dúvidas, anseios e angústias.

Acompanhar a história de Fernanda e José, entre visitas a obstetras, demandas de trabalho e sonhos e pesadelos a cada noite, é acompanhar uma jornada única, mas também coletiva. Uma jornada que se tornou uma bela narrativa gráfica com o roteiro da mãe e os desenhos do pai em Debaixo D’Água, que acaba de sair pela Nemo.

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Com a palavra, a autora.

Anos depois da experiência relatada no livro, a impressão que se tem é que há mais conscientização sobre a importância do parto normal e humanizado, inclusive no meio médico. Qual é a sua visão a respeito? As mulheres ainda são reféns de um sistema que privilegia todos… menos elas?

Minhas experiências com partos foram nos anos de 2010 e 2015, e eu já senti uma mudança entre um e outro, primeiramente por não estar mais desvendando os segredos da gravidez e do parto que pareciam guardados a sete chaves, na época da minha primeira gestação.

Pelo que eu noto, a mudança existe, mas ainda é lenta, pois vejo muitas mulheres passando por cesáreas desnecessárias e outros procedimentos padronizados e inúteis no parto normal, seja por medo ou falta de informação. Infelizmente, ainda temos muitos profissionais que tiveram essa formação não humanizada e há um pouco de preconceito ao se falar de parto humanizado, como se estivéssemos falando não de um direito mas de algum tipo de modismo.

Ainda bem que essa discussão foi para outros âmbitos, graças à militância de mulheres, enfermeiras obstétricas e alguns médicos. Hoje em dia há mais opções de profissionais com capacitação em parto humanizado do que na época das minhas gestações, inclusive com um modelo de coletivos que aliam médicas e médicos obstetras, enfermeiras obstetrizes e doulas, de modo a trabalhar com uma equipe igualmente preparada para atender o parto e com a mesma linha de pensamento. Hoje também existem mais opções de parto humanizado pelo SUS, só que ainda parece pouco perto do que deveria ser. Mas já é um começo.

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O que espera deixar como principal mensagem do livro às mulheres, mães ou não, que acompanham sua jornada naquelas páginas?

A primeira ideia é a do relato em si. É o exercício de organizar a experiência e compartilhá-la. Isso é muito precioso e necessário. Cada história, mesmo sendo única, também dialoga com o coletivo. A minha experiência é única, mas quantas outras experiências no maternar são parecidas ou completamente diferentes, e, ainda assim, nos identificamos com elas?

Colocar essas lembranças em forma de narrativa gráfica também é dialogar com públicos diversos. Levá-las para leitoras e leitores – sim, que mais homens e pais sejam envolvidos nesse processo! – na forma de histórias em quadrinhos foi incitar a conversa sobre esse tema em vários círculos.

O nosso objetivo – meu ao roteirizar, que também foi (auto)ficcionalizar nossa experiência e do José, ao desenhar tão lindamente nossa história – foi trazer à tona essas camadas: a discussão sobre o parto, o (des)respeito às escolhas sobre o próprio corpo e nossos anseios, representados pelos sonhos que permeiam a narrativa.

Uma história de vida é sempre única, um nascimento é sempre único: não deve ser tratado como mais um evento médico dentro de uma linha de montagem. É o começo da história de uma pessoa, o rito de passagem de uma mulher que recebe seu bebê, e isso tem várias nuances. Não é bidimensional, mas muito complexo, como o próprio ser humano.

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Os desafios da maternidade começam no parto (ou até antes dele)… Além das dificuldades que vocês expõem em Debaixo D’Água, qual seria, na sua concepção, o lado mais desafiador de ser mãe?

São vários os desafios: o primeiro deles é que não conseguimos mais nos concentrar em uma coisa só por vez, então por isso não consigo obviamente dizer que exista apenas um lado mais desafiador.

O desafio começa no cotidiano, sendo invisibilizada por ser mãe. Vejo esse tratamento nos hospitais, no comércio, desde que a barriga fica visível, qualquer pessoa adulta se achava no direito de me chamar de “mãe”, antes mesmo do meu próprio filho começar a falar! É uma das sensações mais irritantes e desagradáveis, mas acontece o tempo todo, com todas nós. Ser chamada de mãe por esses adultos e nesses contextos, na minha opinião, é um desrespeito, pois a mulher, que é plural, acaba sendo reduzida a um único papel.

Os outros desafios da maternidade diária são constantemente calibrados à medida que os filhos vão crescendo. E são muitos. Mas os principais, para mim, têm a ver com cansaço físico e mental. Me lembro que, até meu filho mais velho fazer 3 anos, parecia que meu cérebro tinha “bugado”, não conseguia me concentrar em nada por muito tempo. Eu também não fui preparada para isso. Os pensamentos nunca mais foram só meus.

Percebo que, ultimamente, tem se debatido muito sobre “a sobrecarga mental” da mãe. Acho que essa sobrecarga gera um cansaço extremo, tanto corporal quanto mental. Ela começa já no tempo da gravidez, se alonga com o recém-nascido e pelo período de extrema privação de sono, que pode durar muito tempo, pelos imprevistos a cada doença…

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A maternidade em si envolve educar, criar um ser novíssimo no mundo, o que é por si só um desafio, mas também incrível. Talvez, se a sociedade como um todo estivesse verdadeiramente envolvida nesse processo, as mães não estivessem tão sobrecarregadas.

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