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Para remediar a desinformação e o preconceito que rondam a menopausa

Livro traz jornada repleta de ciência e sensibilidade para compreender uma fase da vida que não é sinônimo de problema de saúde. Leia trecho exclusivo

Por Jancee Dunn (Tradução: Lígia Azevedo)*
16 jul 2024, 16h36

Menopausa! A mera palavra já deixa as pessoas tensas. Há referências a ela, aparentemente aos sussurros, desde a Bíblia.

Em uma passagem do Gênesis, Sara, esposa de Abraão, é descrita como “de idade avançada; em Sara já haviam cessado os modos das mulheres”. Quase dá para ouvir quem escreveu buscando um eufemismo: “A Sara, bom, você sabe… os modos dela já tinham cessado”.

Alguns médicos de antigamente acreditavam que o útero das mulheres mais velhas vagava inquieto pelo corpo, como eu mesma faço em casa à procura dos meus óculos de leitura. Areteu da Capadócia, médico do século II, dizia que o útero “se movia a esmo”. Por sorte, era fácil controlar esse órgão errante. Segundo Areteu, o útero “se deleita com aromas fragrantes, avançando na direção deles, e tem aversão a odores fétidos, fugindo deles, e no todo é um animal dentro de um animal”.

Como Helen King escreveu em Hysteria Beyond Freud [Histeria além de Freud], Hipócrates, grego do século v a.C. conhecido como o pai da medicina moderna, teorizou que o útero das viúvas vive insatisfeito e não apenas produz vapores tóxicos como também gosta de vagar pelo corpo, não em busca de “aromas fragrantes”, mas de umidade. Aparentemente, o fígado era uma das paradas do útero na sua peregrinação.

Segundo King, Hipócrates acreditava que “se os reservatórios de uma mulher estão mais vazios que de costume e ela se sente mais cansada, o útero, que secou por causa da fadiga, dá meia-volta e ‘se lança’ ao fígado, porque se trata de um órgão úmido”.

Descrições dos órgãos reprodutivos desgastados de uma mulher podem ser impiedosas. Em seu livro The Woman in the Body: A Cultural Analysis of Reproduction [A mulher dentro do Corpo: Uma análise cultural da reprodução], a antropóloga Emily Martin desenterrou esta descrição de “modos cessando” de um antigo livro de medicina: “O ovário senil é um órgão encolhido e enrugado, contendo poucos ou nenhum folículo, e composto na sua maior parte […] dos resquícios desbotados e sem função do corpo lúteo”.

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Parece até  prognóstico desanimador de uma bióloga marinha analisando os efeitos da mudança climática sobre a Grande Barreira de Corais.

(…)

O que ninguém conta sobre a menopausa

menopausa

A menopausa recebeu um nome formal nos anos 1820, como Susan Mattern escreve em The Slow Moon Climbs: The Science, History, and Meaning of Menopause [A lua lenta surge: A ciência, a história e o significado da menopausa], a partir da combinação de “menos”, palavra grega para mês, e “pause”, palavra grega para interrupção.

Podemos agradecer ao dr. Charles de Gardanne, médico francês do século XIX, pela nomenclatura. De acordo com Mattern, embora ele mereça os créditos por ter dado um nome à transição, Gardanne também citou cinquenta condições pelas quais a menopausa era responsável, incluindo escorbuto, gota e ninfomania.

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Ao longo do século XIX e do começo do XX, os médicos testaram várias “curas” para a menopausa. O dr. Andrew F. Currier, autor de The Menopause: A Consideration of the Phenomena Which Occur to Women at the Close of the Child-Bearing Period [A menopausa: Uma análise sobre os fenômenos que ocorrem com as mulheres no final do período reprodutivo], livro de 1897, sugeriu que as mulheres nessa etapa da vida fizessem limpeza intestinal com solução salina (“os intestinos devem ser mantidos livres, pois tais pessoas com frequência enfrentam constipação”).

Um sintoma que Currier acreditava acompanhar a menopausa era a “dor nervosa” — o que hoje chamaríamos de ansiedade. (Ele não estava necessariamente errado. A ansiedade é um dos 34 sintomas variados que os médicos identificaram em mulheres na menopausA.) Para “dor nervosa”, Currier sugeria absorventes internos mergulhados em glicerina e nitrato de prata ou sangrias, com incisões nos braços e nas pernas.

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No século XIX, segundo escreve Elizabeth Siegel Watkins, professora de ciências da saúde, em The Estrogen Elixir [O elixir do estrogênio], os médicos davam às pacientes produtos contendo ovários animais para tratar condições relacionadas à “deficiência ovariana”, como a sempre popular histeria. Prescrevia-se às mulheres soluções de água e extrato ovariano, enquanto a outras, que talvez preferissem alimentos integrais, recomendava-se comer “ovários de porca ou vaca, picados e servidos em sanduíches”. (Imagino que mostarda e maionese fossem opcionais.)

Na década de 1890, como Thom Rooke escreve em The Quest for Cortisone [A saga da cortisona], a farmacêutica Merck & Company desenvolveu o primeiro produto hormonal visando a menopausa, chamado Ovariin, um pó grosso e amarronzado feito de ovários de vaca secos e pulverizados. Pelo menos tinha sabor baunilha. (“É difícil imaginar que ovários de vaca pulverizados não tivessem um gostinho delicioso sem o sabor adicionado”, Rooke aponta.)

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Edward Doisy, bioquímico americano que venceu o prêmio Nobel, isolou o estrogênio em 1929. Uma década depois, foi lançado um produto comercial para a menopausa feito a partir da urina de uma égua grávida. Com admirável transparência, considerando que égua em inglês é mare, ele recebeu o nome de Premarin.

Uma propaganda inesquecível do Premarin mostra um motorista de ônibus de saco cheio. “Ele sofre com deficiência de estrogênio”, diz a legenda. Do outro lado, há uma passageira de certa idade. “Por causa dela”, vem embaixo do rosto furioso da mulher. A menopausa era vista como um problema — para os homens.

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Em geral, predominam os melindres culturais quanto ao que alguns médicos chamam de “puberdade reversa”. Jill Angelo, fundadora de uma empresa em Seattle que oferece serviços de telemedicina a mulheres na menopausa, me contou que uma vez se reuniu com investidores em potencial e um deles lhe perguntou, preocupado, sobre o “fator eca”.

O medo da menopausa também se baseia no desconhecido, diz Hadine Joffe, professora de psiquiatria no campo da saúde da mulher na Escola de Medicina de Harvard. “O que eu até entendo, porque as pessoas sabem muito pouco a respeito, não têm ideia do que é. Então muitas das suas associações e projeções são negativas.”

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Digite “gravidez” no Google, diz Joffe, “e as imagens que aparecem são fofas e amorosas”. No entanto, se você digitar “menopausa”, não aparece nada sobre uma transição normal na vida, ela diz. “O que vem são sintomas e problemas. Não se fala em um processo que ocorre na metade da vida, e sim, com uma leve carga de raiva, na irritação, na dificuldade de dormir. Por que a primeira associação da menopausa é sempre com esses problemas? Algumas pessoas passam por ela sem nenhum obstáculo.”

“Ah, estou sempre falando de como o mundo ignora a menopausa, uma experiência que afeta todas as mulheres que chegam à meia-idade”, diz Pauline Maki, professora de psiquiatria, psicologia e ginecologia e obstetrícia da Escola de Medicina da Universidade de Illinois, em Chicago, e ex-presidente da Sociedade Norte-Americana de Menopausa. “Isso me irrita, porque é etarista e machista.”

Como urologista, a dra. Rubin tem uma maneira simples de ajudar seus pacientes homens a compreender o que é a menopausa. “Digo a eles: ‘Quer saber como é estar na menopausa? É só cortar os testículos fora. Adivinha quais serão os efeitos colaterais? Ondas de calor. Sudorese noturna. Confusão mental. Depressão. Doença cardiovascular. Libido baixa. Disfunção erétil. A menopausa é isso’.”

Retratos da menopausa nas redes sociais são amplamente negativos, acrescenta a dra. Rubin. “Sempre digo que a menopausa tem a pior campanha de publicidade da história do universo”. Quando se trata de divulgar essa fase da vida ou transmitir mensagens positivas para combater os estereótipos negativos sobre a mulher na meia-idade, “estamos perdendo a batalha nas redes sociais”.

No momento, há cerca de 30 milhões de mulheres entre os quarenta e 54 anos nos Estados Unidos.31 Como podemos estar tão despreparados para uma das mais monumentais transições da vida? Ela afeta familiares, amigos, colegas de trabalho. Pessoas não binárias e trans. Nem todas as mulheres passam pelo parto — as taxas de natalidade vêm caindo há anos, e um relatório de 2021 do censo americano descobriu que quase um em seis adultos com mais de 55 anos não tem filhos.

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Todas as mulheres que vivem o bastante, no entanto, passam pela menopausa. É uma experiência compartilhada por metade da população… e sobre a qual ninguém fala. Se a idade média da menopausa é 51 anos e a expectativa de vida média para uma mulher nos Estados Unidos é oitenta, ela vai passar um terço da vida na menopausa.

Ninguém “atravessa” a menopausa; a gente entra nela e nunca mais sai. “Não é como abrir e fechar a porta”, diz Lubna Pal, professora de ginecologia, obstetrícia e ciências reprodutivas e diretora dos estudos de menopausa da Escola de Medicina de Yale. “É um caminho. Não é uma doença. Não é um distúrbio. É uma fase da vida.”

O manifesto de Beatrice Dixon, fundadora da Honey Pot Company, uma linha de produtos de cuidado pessoal femininos baseados em plantas e feitos “por pessoas com vagina para pessoas com vagina” é ainda mais encantadoramente franco: “Muitas vezes, sentimos que somos a única pessoa passando por isso, mas o que nos une é que estamos passando pelas mesmas coisas ao mesmo tempo! Como algo pelo qual todo mundo passa pode ser um tabu?”.

(…)

É por isso que precisamos parar de falar sobre a menopausa aos sussurros. “Idade, desequilíbrio hormonal, qualquer sintoma, é tudo natural, normal e nada de novo”, Dixon diz. “Vergonha, culpa. Ninguém tem tempo para essas bobagens.”

Ela tem razão: não temos tempo para essas bobagens. Até 2025, de acordo com uma estatística da Sociedade Norte-Americana de Menopausa, haverá mais de 1 bilhão de mulheres no mundo na pós-menopausa. É hora de reconhecer e normalizar essa transição.

* Jancee Dunn é uma escritora e jornalista americana, autora de O que ninguém conta sobre a menopausa, a ser lançado pelo selo Fontanar

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