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‘Os ecos são evidentes’, diz autor sobre mundo atual e antes da 2ª Guerra

Historiador analisa em livro como a Segunda Guerra transformou o mundo sob os clamores do medo e da liberdade. A VEJA, ele examina legados e paralelos hoje

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2025, 18h49 - Publicado em 13 Maio 2025, 17h30

Pouquíssimos eventos têm o poder de dividir o curso da história com um “antes” e um “depois”. A Segunda Guerra Mundial certamente é um deles. E são as transformações que ela produziu desde seu encerramento em 1945, com repercussões que se fazem sentir ainda hoje, que conduzem O Medo e a Liberdade, livro do historiador britânico Keith Lowe recém-publicado pela editora Zahar.

A obra entrelaça as histórias de sobreviventes e combatentes da guerra com os acontecimentos da História, a entidade com H maiúsculo, a fim de examinar os legados e as consequências, muitas vezes paradoxais, desse conflito que mudou o mundo. É assim que o autor nos apresenta o clima de apocalipse e, ao mesmo tempo, de utopia deixado pelas batalhas, bem como seu panteão de heróis e monstros.

O fio condutor – e grande contradição que nos acompanhará pelas mais de 600 páginas – é o misto de medo e liberdade que viria a contaminar e a estimular homens e nações em busca de redenção ou renascimento. Nessa jornada, Lowe se detém nas metamorfoses econômicas, geopolíticas, científicas e jurídicas desencadeadas pela guerra. E um dos tópicos mais instigantes que discute é a perspectiva (e tentativa) de se criar um mundo sem países, com um governo global.

O medo e a liberdade

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Além disso, um dos trunfos de sua pesquisa reside em montar um panorama que vai muito além dos reveses e da reconstrução do continente europeu. Pelo contrário, o historiador mergulha na polarização americana e soviética e se detém sobre as transformações – influenciadas pela Segunda Guerra, mas também pela Guerra Fria – operadas na Ásia, na África e na América Latina. São particularmente esclarecedoras as imersões em Indonésia, Quênia e Israel.

E hoje, 80 anos depois, o que a Segunda Guerra Mundial tem a nos dizer? Será que estamos caminhando em um círculo e voltamos a um estágio marcado por uma conjuntura assaz semelhante à que precedeu esse autêntico, cruel e triste divisor de águas?

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Com a palavra, Keith Lowe.

Oitenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o que você acha que prevalece hoje: o medo ou a liberdade?

Se você tivesse me feito essa pergunta 20 anos atrás, minha resposta teria sido muito diferente. Após o fim da Guerra Fria, parecia que as forças da liberdade haviam vencido. As nações do Leste Europeu haviam se livrado de seus regimes totalitários. Até a Rússia parecia ter abraçado a ideia de democracia.

Os medos com os quais minha geração cresceu – o medo da aniquilação nuclear que herdamos da Segunda Guerra Mundial – pareciam ter desaparecido. Mas, nos últimos 20 anos, as coisas mudaram. Hoje, todo mundo parece ter medo de tudo, o tempo todo. A crise climática, a crise econômica, o crescente poder dos autocratas, a ascensão da inteligência artificial – há tantas coisas para temer.

A relação entre medo e liberdade é, na verdade, muito interessante. Em um aspecto, eles são opostos: quanto mais medo temos, menos livres nos sentimos. Mas, em outro aspecto, eles estão interligados. Após a Segunda Guerra Mundial, filósofos existencialistas como Jean-Paul Sartre afirmavam que a liberdade era algo aterrorizante, pois conferia um fardo insuportável de responsabilidade a todo indivíduo livre.

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Pessoalmente, considero nossa obsessão pela liberdade bastante perigosa. Imagine uma pessoa que acredita ser livre para fazer o que quiser, sem consequências. Essa é a definição de um monstro.

Depois das experiências que levaram à Segunda Guerra e a sucederam, seria possível sonhar com um mundo sem nações e nacionalismos?

Não se engane: foram as forças do nacionalismo extremo que levaram à Segunda Guerra Mundial. Há muitos aspectos do nacionalismo que o tornam tóxico. É uma ideologia que atrai pessoas que querem ser grandiosas, mas que não têm poder ou oportunidade de ser grandiosas por si mesmas. Então, elas se entregam à ideia de que pertencem a uma grande nação, que faz grandes coisas em seu nome.

Pessoas que se dedicam a essa crença sentem que precisam ser leais a ela, independentemente de como sua nação aja. Sua nação não pode errar, porque é a melhor nação, a maior e a mais merecedora. Outras nações são automaticamente inferiores, e, quando você começa a acreditar nisso, está no primeiro passo em direção ao Holocausto.

E, no entanto, paradoxalmente, o nacionalismo também desempenhou um papel importante na derrota dessa ideologia totalitária. As pessoas que mais lutaram contra o fascismo eram frequentemente nacionalistas que lutavam pela libertação de seus países. É isso que acho tão fascinante na Segunda Guerra Mundial – muitas vezes é impossível separar o bem do mal, porque eles estão tão interligados.

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Mas e depois da guerra?

Foi aí que surgiu a ideia de que deveríamos acabar com as nações por completo e, em vez disso, ter um Governo Mundial, que equilibrasse as necessidades de toda a humanidade. Manifestantes invadiram a primeira reunião das Nações Unidas em Paris e começaram a vaiar os delegados, dizendo que, ao se autodenominar Nações Unidas, estavam, na verdade, apoiando as mesmas forças que haviam iniciado a guerra.

Mas a ideia de um governo único governando a todos não é um tanto assustadora? Quem pode dizer que um Governo Mundial acabaria sendo uma democracia? Talvez seja apenas a existência de diferentes nações o que nos salva de uma espécie de totalitarismo global.

Pessoalmente, não vejo por que não podemos acreditar em todas essas coisas ao mesmo tempo. Por um tempo, fiquei feliz tendo múltiplas identidades – como londrino, inglês, britânico, europeu e um homem do mundo inteiro. Mas então os nacionalistas do meu próprio país me disseram que eu tinha que escolher entre ser britânico e europeu, e o Brexit aconteceu. O mundo está cheio de pessoas que acham que o seu jeito é o único correto e querem forçar todos os outros a segui-lo.

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Acha realmente justo comparar nosso momento atual com o cenário que produziu a Segunda Guerra Mundial? Há um colapso à vista?

Sim, acho justo comparar o que está acontecendo agora com a década de 1930. É claro que vivemos em um mundo muito diferente, com tecnologias diferentes, e assim por diante. Mas os ecos são evidentes. Vivemos em uma época de nacionalismo crescente. Estamos testemunhando novamente a influência de ideologias neofascistas. Há protecionismo crescente, desigualdade econômica, desconfiança entre as nações, um ditador violento que ameaça a Europa – tudo isso aconteceu na década de 1930 e está acontecendo novamente hoje.

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Não me interprete mal, há motivos para otimismo. Algumas pessoas estão muito preocupadas com o crescente poder da China, mas a China não é nem de longe tão agressiva hoje quanto o Japão era na década de 1930. Acho que a China está mais interessada em se expandir economicamente do que militarmente. O que deixa a Rússia como o principal “vilão”, e os militares russos demonstraram ser bastante ineptos. Portanto, os supostos “vilões” de hoje não são tão poderosos e implacáveis ​​quanto eram na década de 1930.

Então não teríamos todos os ingredientes para uma Terceira Guerra Mundial?

Então, também há motivos para ter medo, porque os “mocinhos” também não impressionam muito em comparação com os anos 1930. Os líderes europeus estão demorando uma eternidade para enfrentar Putin. Os líderes americanos parecem ter perdido completamente a bússola moral. Durante 80 anos, a Europa foi aliada dos Estados Unidos, mas, agora, em vez de defender a Europa, os EUA a tratam como inimiga. Se eles continuarem nesse caminho e se retirarem da OTAN, tudo mudará.

Os EUA estão se retirando de todas as suas obrigações internacionais. Sem o financiamento e a participação deles, instituições como a ONU, o FMI e vários programas de ajuda humanitária mundial podem entrar em colapso. Lembre-se: essas organizações foram criadas após a Segunda Guerra Mundial para tornar o mundo um lugar mais estável. Elas foram criadas principalmente pelos EUA.

Não estou dizendo que estamos caminhando para uma Terceira Guerra Mundial – longe disso –, mas, se você quisesse criar as condições certas para uma Terceira Guerra, esse já seria um bom começo.

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