“Império da Dor”: autor que expôs crise dos opioides é consultor da série
Novo seriado da Netflix bebe da obra do jornalista americano que investigou as origens e desmembramentos da epidemia de opioides
Um dos maiores problemas de saúde pública nos Estados Unidos – e um drama que começou a ser exportado para outras nações – é a epidemia de vício por opioides. Uma crise que começou no fim dos anos 1990 com a prescrição médica, baseada em mais marketing do que em pesquisa, de remédios potentes para tratar dores.
O que seria uma panaceia, porém, se transformou num caos, com uma situação ainda fora do controle. A dependência por opioides se instalou em milhares de lares e, assim que o governo americano começou a cercar a principal farmacêutica por trás da medicação receitada (a oxicodona), os pacientes-usuários tiveram que partir para as ruas em busca de traficantes e drogas alternativas.
Esse é um resumo de um fenômeno investigado pelo jornalista americano Patrick Radden Keefe no minucioso livro Império da Dor (Intrínseca). Agora, o tema ganha a cena na minissérie da Netflix, que estreou na última quinta-feira, 10.
Império da Dor
Keefe é um dos consultores do seriado, que conta com atores estrelados, e narra a trajetória da família Sackler e da Purdue Pharma, os grandes responsáveis por abrir a caixa de Pandora da crise dos opioides em terra americana. Episódio que deixa lições dolorosas para todo o mundo.
Com a palavra, o autor.
Como avalia a crise dos opioides desde a publicação do livro?
A epidemia dos opioides ainda está fora do controle, com mais de 100 mil pessoas morrendo de overdose no ano passado. Fico animado que agora há mais discussão sobre a responsabilização dos envolvidos e vários maus atores, incluindo a Purdue Pharma e a família Sackler, têm ajudado financeiramente a pagar pela crise que provocaram. Mas a situação é tão grave que por enquanto não desacelerou.
A demanda por fentanil, um potente anestésico de origem, é um novo capítulo dessa história ?
A crise dos opioides tem três fases até agora. Começou com o OxyContin [Oxicodona] e outros analgésicos controlados. Depois mudou, com os usuários passando para a heroína. E depois mudou de novo, com a migração para o fentanil, que é ainda mais mortal. Hoje vivemos uma crise do fentanil, mas as raízes de tudo remontam ao OxyContin.
No livro, descrevo um grande estudo que descobriu que as regiões onde não houve um marketing tão agressivo de farmacêuticas como a Purdue apresentam, três décadas depois, taxas de overdose por heroína e fentanil significativamente mais baixas. O debate político nos EUA hoje devota muita atenção a soluções para a questão da oferta dessas drogas, haja vista que o fentanil cruza a fronteira pelo México ou vem da China.
Mas a verdade é que temos também um problema de demanda interna. Enquanto houver americanos buscando e comprando essas drogas, o mercado encontrará uma forma de supri-los.
Depois de ser tolhida pelo governo americano, a Purdue tentou exportar esse modelo a outros países?
Quando as empresas do tabaco começaram a ver que a venda de cigarros caía nos EUA, uma vez que a população estava se conscientizando a respeito, mudaram o foco de seus esforços para os chamados mercados emergentes, países em que as pessoas não tinham tanta noção dos riscos. Os fabricantes de opioide seguiram a mesma estratégia.
Quando a Purdue teve problemas nos EUA devido ao marketing agressivo, passou-se a olhar, por meio de um de seus braços para nações como Brasil, México, Índia e China. Os resultados foram mistos. Conseguiram desenvolver um mercado em alguns países, mas nada comparado ao dos EUA.