Escrever para se curar: como a literatura me salvou do burnout
Médica e escritora compartilha sua experiência diante de uma grave crise mental - e como a escrita ajudou a salvá-la
Em novembro de 2019, a pedido da minha terapeuta, fui a uma psiquiatra. O motivo: estava tendo ideações suicidas. Não exatamente um “quero me matar”, mas um “e se eu sofresse um acidente hoje?” Na época, achei a atitude exagerada. Eu gostaria de morrer, não de me matar. No entanto, segui a recomendação e fui.
Ao chegar lá, contei um pouco da minha vida e do motivo da ida. Como resultado, a psiquiatra disse: “você está com episódio depressivo grave. Vai precisar se afastar do trabalho”. Eu reagi negando. “Imagina, onde já se viu eu me afastar do trabalho?” Gostava do meu trabalho? Não, odiava, mas ele me sustentava. Onde eu iria arrumar dinheiro sem trabalhar?
Então ela me explicou sobre o INSS, sobre ter direitos e benefícios. Mesmo assim, eu não queria. Aí ela me disse: “qual a sua vontade quando algum paciente despeja todos os problemas e expectativas em cima de você?” E eu respondi: “quero jogar ele da janela, do décimo sexto andar”. Ela ergueu uma sobrancelha para mim e eu entendi. É, realmente, precisava me afastar antes de matar alguém.
Eu perguntei quanto tempo ficaria afastada, mas ela não soube me dizer tão cedo. Primeiro, fiquei uma semana, depois tornou-se um mês, dois… Foram pouco mais de dois meses de afastamento. No primeiro dia, achei ótimo! Férias! Finalmente! Fazia anos que não tirava férias mesmo.
Tinha várias coisas para fazer, livros para ler, lugares para visitar. Mas não, não foi como imaginei. Assim que parei de trabalhar, perdi totalmente a energia. Mal conseguia me levantar da cama.
O colapso depois da pausa e a escrita como caminho de volta
Passei uma semana assim, deitada, olhando para o nada no meu teto. Até que fui, aos poucos, tomando coragem de voltar a viver. Retomei meu diário, esquecido há muito tempo. Escrever sobre o que me acontecia foi terapêutico, assim como conversar com a psicóloga.
Eu escrevia, relia as páginas antigas, escrevia mais. Percebi que estava doente há muito tempo, só não tinha reparado. Não tinha tido “tempo” para notar. Aos poucos, o cansaço “do dia a dia” foi me vencendo. Parei de sair com os amigos, com os colegas de trabalho, com a família. Parei de ter vida fora do trabalho. Dediquei-me exclusivamente a trabalhar, porque afinal, era isso que pagava as contas. Entrei no modo sobrevivência e deixei de viver.
E tudo isso sem nem perceber.
As mudanças são sutis, acontecem tão lentamente que você se adapta a elas, nem percebe o quão doente está, até parar de vez.
Nas minhas “férias” forçadas, passei a escrever crônicas, postar pequenos textos no Instagram com algumas reflexões. Por que trabalhamos tanto? Por que estamos sempre atrasados? Para que estamos atrasados? Quem definiu essa linha de chegada que nunca chega?
Falar de mim foi o primeiro passo – e também o mais difícil
Então montei meu Instagram de escritora. A ideia inicial era ajudar outras pessoas a se encontrarem, assim como eu estava me reencontrando. Meus primeiros livros falavam muito sobre isso, sobre mim. Não gostei. Parecia que eu estava nua aos olhos do meu leitor.
No entanto, no livro Tempos amarelos, consegui deixar um pouco de mim de fora e focar mais nos outros, nos personagens. E, apesar de Marina ser workaholic assim como eu, ela não sou eu. Mas ela se curou na história, assim como me curo diariamente fora dela. Quando me escolho ao invés do trabalho. Quando decido que tudo bem descansar, que tudo bem não ser produtiva o tempo todo, que tudo bem ler um livro por entretenimento.
Estou curada? Não. Provavelmente, sempre serei uma workaholic. Mas agora eu sou uma workaholic com noção. A noção de que o fundo do poço é bem mais fundo do que a luz pode alcançar. E a noção de que não quero voltar para lá.
* Veronica Yamada é médica oftalmologista, escritora e editora. Autora do recém-lançado Tempos Amarelos (Sedas), já venceu o Prêmio Talentos Helvéticos
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