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Coluna da Lucilia

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Vai levar, madame?

Feiras são um espetáculo de cores que resiste ao tempo

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h12 - Publicado em 25 ago 2023, 06h00

Na rua, sob tendas coloridas, se arma o espetáculo. Quem não rouba a cena não vende. As vozes se sobrepõem: “laranja-li­ma, laranja-baía, vai querer freguesa?”. Em meio ao alarido, a interação com a clientela ganha recursos teatrais. “Aqui moça bonita não paga” (pausa dramática, para valorizar o desfecho). “Mas também não leva.” As bancas arrumadas em profusão de cores: a cereja rubra e uva verde; a jabuticaba preta e o branco do coco cortado ao meio; a carne vermelha e o peixe prateado. Os vendedores de rosquinhas e sequilhos a granel são mais que coadjuvantes. E contribui para a trilha sonora a sinfonia de uma nota só do amolador de facas. A feira é um acontecimento. Em uma época mais remota, a rotina das casas se organizava em função do dia em que ela acontecia nos arredores. No vozerio entre os feirantes e entre eles e os compradores, se criava a camaradagem.

Em menina, quando via a feira no Jardim Paulista, em São Paulo, onde eu morava, o que me capturava mesmo a atenção era o cheiro do pastel, que eu adorava. Hoje esse já não é mais um prazer — embora ainda use a massa para preparos mais light, em casa. Mas a feira livre continua lá, toda sexta. E se, nesta sexta em particular, lembro-me dela, é porque li que 25 de agosto é o Dia do Feirante. A data é a mesma de quando o prefeito Washington Luís regulamentou, em 1914, a situação das feiras de São Paulo, que até então eram um bocado bagunçadas.

“Em menina, o que me capturava mesmo a atenção era o cheiro do pastel, que eu adorava”

Muito mais antigas ainda do que isso, as feiras são um exemplo de resistência ao passar dos anos. Dos séculos, na verdade, se pensarmos que acontecem desde a Idade Média, quando, a céu aberto, forasteiros se aglomeravam para trocar produtos oriundos de lugares distantes, e comerciantes colocavam à venda seus excedentes, por preços mais baixos, para não perdê-los.

Na minha história, a feira só se fez mesmo presente quando fui atrás de melhorar a alimentação. Aí entrou em cena de verdade aquele arco-íris que em criança eu percebia a distância.

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Hoje, supermercados, sacolões e hortifrútis acabaram se mostrando mais vantajosos e substituíram em grande parte a função das feiras. Ficam abertos todos os dias e em horários estendidos, com produtos de procedência variada, o que faz com que muita gente deixe de se perder nos labirintos de barracas.

Sabendo disso, os feirantes, com arte e engenho, procuram se adaptar às modas e aos tempos. Para fazer frente à concorrência das lojas, não oferecem mais só as frutas e verduras frescas, mas também alimentos pré-preparados, como vegetais já cortados. “Essa aqui serve para fazer espaguete de abobrinha”, diz o vendedor. “Tudo que é tipo de erva tem, é só encomendar, minha mulher corta e eu trago”, explica. Por um lado, alimentados pela nostalgia, por outro, pensando em comer mais saudável, é possível ver nas feiras um passeio que promove o bem-estar. Ainda que a maioria das pessoas só as procure para comer aquele tal pastel.

Para mim, passar por uma feira, de perto ou só distraída rumo a outros afazeres, me lembra o momento em que eu comecei a cuidar de mim. Graças ao que fui aprendendo naquele tempo é que eu hoje posso passear, livre, leve e solta, sem o impedimento do sobrepeso, por entre as lonas listradas, ou em qualquer lugar.

Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856

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