“Está com cara de que hoje à tarde vem mais chuva, né?” Um comentário assim, despretensioso, dirigido a uma pessoa desconhecida no elevador, pode condensar toda a história da sociabilidade. Exagero? Acredito que não. Quem fala sobre o tempo nessa circunstância em geral quer dizer mais do que isso. No fundo, a mensagem é: “Olha, já que estamos aqui sem fazer nada por um instante, que tal trocarmos umas palavras e ver aonde elas nos levam?” As possibilidades estão sempre abertas. O outro pode agregar uma informação nova — uma previsão específica para aquela área da cidade — ou agradecer você, porque já ia esquecendo o guarda-chuva. Ou a conversa pode evoluir por outras amenidades até que, de repente, os dois descobrem um interesse comum que dará origem — quem sabe? — a uma amizade.
Falar sobre o tempo é a manifestação mais comum de uma arte que os ingleses chamam de small talk. Os dicionários traduzem como “conversa fiada”. Não está errado, claro, mas acho um pouco pejorativo. Prefiro “conversinha”, gosto muito dessa afetividade tão brasileira expressa no uso do diminutivo. Entendo por que um dos nossos grandes poetas gostava de ser chamado de “poetinha”. A conversinha boa requer alguns cuidados. Não é por ser ligeira e superficial que deva ser impensada. A primeira coisa a ser levada em consideração é que existe uma tríade proibida. Não tente puxar conversa falando sobre religião, saúde e, ainda mais neste ano, política.
“Uma sugestão é evitar perguntas fechadas, aquelas cujas respostas são ‘sim’ ou ‘não’”
Esporte é sempre uma boa pedida. Tênis, por exemplo. “Você viu que vão deixar o Djokovic jogar em Roland Garros?” Ou, para quem gosta, pode perguntar o resultado do futebol, aliás, como faz um freguês em Conversa de Botequim, o gostoso samba de Noel Rosa. Gastronomia também é tema que rende um bom papo. Quem não quer conhecer uma receita nova? Ou uma dica de restaurante?
Conversinhas amenas são mais do que parecem ser. Outro dia, li que estudos recentes apontaram que fazem bem à saúde. Não duvido. Desarmar o espírito, se expor ao outro, exercer a civilidade, cativar a atenção alheia, tudo isso gera uma sensação de pertencimento que tende a proteger nosso organismo e mente. Algumas pessoas, no entanto, receiam tomar a iniciativa, temem ser consideradas intrometidas. O ideal é avaliar cada situação. Uma primeira pergunta, tateante, é sempre o.k. Se em resposta o outro grunhir um “pois é” ou algo do gênero, esqueça. Mas se o sinal verde acender, é bom saber como se comportar na sequência.
Uma sugestão é evitar perguntas fechadas, aquelas cujas respostas são “sim” ou “não”. No restaurante, por exemplo, em vez de perguntar ao maître se o talharim ao vôngole é bom, diga: “Que tal o prato?”. Perguntas abertas como essa convidam ao discurso mais elaborado, um bom antídoto contra silêncios constrangedores. Outra sugestão: seja todo ouvidos ao interlocutor. Nada esfria mais uma conversa do que a desatenção. Se o celular tocar, não atenda. Em geral, dá-se importância excessiva ao que se fala. Mas saber ouvir é ainda mais relevante. Só quem ouve de verdade sabe o que perguntar. “Hoje vai chover de novo. Você está lembrando do guarda-chuva?”
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783