Quando uma pessoa pública morre por volta dos 100 anos depois de uma vida bem vivida, é natural que a gente se pergunte sobre os segredos de sua longevidade. Quando essa pessoa é a rainha da Inglaterra, então, o interesse tende a ser ainda maior. O que ela teria feito para se manter tão bem, a ponto de cumprir suas funções como chefe de Estado até dois dias antes de falecer aos 96 anos? Nesta semana, durante o longo cerimonial de adeus a Elizabeth II, esse foi um entre os muitos aspectos que chamaram a atenção da imprensa sobre sua trajetória de sete décadas como monarca. Muito se falou sobre seus hábitos saudáveis. Como estudiosa das questões associadas ao bem-estar, quero compartilhar com você, leitor, leitora, o que, acredito, deve ter tido influência determinante sobre sua saúde.
A alimentação, claro, encabeça a lista. De certa maneira, somos o que comemos. Ficaram para trás, perdidos na história, os casos de membros de monarquias conhecidos pelos quilos a mais. Eram tempos em que se confundia saúde com alguma obesidade, como registram tantos quadros retratando rechonchudos reis e rainhas. Consta que Elizabeth II primava pela frugalidade. No almoço e no jantar, dava preferência a peixe ou frango grelhado. O prato principal, servido em pequenas quantidades, vinha acompanhado de legumes ou verduras refogadas, como abobrinha ou espinafre, além de uma salada fresca. Uma dieta, portanto, muito simples, embora equilibrada em termos nutritivos.
“A alimentação, claro, encabeça a lista. De certa maneira, somos o que comemos — inclusive a rainha”
Sua Majestade gostava de uma boa sobremesa e, quando podia escolher — o que é quase sempre o caso quando se é rainha —, optava por tortas de chocolate. Gostava muito de música também. Quando esteve no Brasil, em 1968, se encantou com o apelido e a sonoridade do berimbau na Bahia do compositor Chocolate, na época um vendedor no Mercado Modelo, com quem quebrou o protocolo dando-lhe um abraço, deliciando-se de alegria sem ganhar calorias.
Quanto ao chá da tarde, seu hábito mereceria um capítulo à parte, tal a relevância que tem para a tradição britânica. Não precisava ser rigorosamente às 5, até porque a agenda real, com muitas viagens, nem sempre permitia a pontualidade. Mas devia ser sempre servido — sem açúcar — num ponto equidistante das duas principais refeições, qualquer que fosse o fuso em que ela se encontrasse. Comer pouco em intervalos regulares, como se sabe, ajuda a manter a saúde em dia. Da mesma maneira que tomar alguns drinques diários. Elizabeth II tinha predileção pelo gim, que bebia às vezes ouvindo música, como Cheek to Cheek, com Fred Astaire, uma de suas preferidas.
A atividade física também contribui decisivamente para a vida saudável. Mas ninguém precisa fazer academia. A rainha não fazia. Ela trocava pneu de veículos militares — quando jovem, durante a II Guerra —, cuidava do jardim das residências reais, montava a cavalo ou apenas caminhava pelos terrenos dos castelos de Windsor ou Balmoral. Depois de tanto exercício, dormia pouco mais de oito horas por noite, o necessário e o suficiente para regular o apetite, produzir anticorpos, manter os níveis glicêmicos e estimular a percepção cognitiva.
Pensando bem, são hábitos que não estão associados necessariamente à realeza. Eles estão ao alcance de qualquer um, súdito ou não.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807