Ouve-se muito falar em “epidemia silenciosa” ao tratar de males disseminados, mas, ainda assim, pouco visíveis. A obesidade, porém, já há muito superou esse ponto e mereceria ser chamada de “epidemia gritante”. Essa foi, para mim, a conclusão mais clara de um seminário sobre o tema do qual participei no final do mês passado.
No evento, autoridades da saúde e médicos renomados procuraram mostrar o alcance do problema, cujas consequências não se limitam aos afetados. Elas abalam a economia e o bem-estar social, exigindo levar o debate muito além do aspecto alimentar. Em cerca de uma década, mais da metade da população mundial terá sobrepeso.
Foi, portanto, com espanto que ouvi, ali, que tal questão de saúde pública, com toda a sua complexidade, não tem lugar próprio na grade curricular das faculdades de medicina e de nutrição do país. Talvez porque, como se observou em uma das mesas, a doença só a passos lentos esteja deixando de ser associada a uma falha moral, apesar de seus efeitos amplos e bem visíveis.
Na semana passada, o Hospital Sírio-Líbanês recebeu o aval necessário para criar a sua faculdade de medicina, após ter inaugurado seus cursos de ciências da saúde. Com isso, se aproxima de outro centro de referência em São Paulo, o Hospital Israelita Albert Einstein, já bem consolidado na área de educação. Talvez eles pudessem ser ponta de lança dessa causa não apenas bem-vinda, mas necessária, e que poderia bem ser uma oportunidade de reflexão para instituições de ensino nacionais.
A obesidade está associada a inúmeras outras patologias. Abordar em sala de aula, além de suas manifestações clínicas, seus aspectos psicológicos, sociais e econômicos, dotaria os futuros profissionais de uma visão mais integrada, ajudando os pacientes a navegar por um mar muitas vezes traiçoeiro de informações.
“Propósito é a palavra-chave. Segundo estudos, o medo não é bom propulsor de mudança”
A rota a trilhar quando se deseja (e precisa) emagrecer é árdua. Em cada grupo de 1 000 obesos, no máximo um chega a um peso normal. Fui essa pessoa, tantos anos atrás. Assim, posso confirmar o que ouvi no evento: o mais difícil não é alcançar a meta, e sim ficar nela.
Adotei a manutenção como um desafio profissional. Minha vida pós-emagrecimento se estruturou em torno desse tema, abrindo o caminho para uma nova carreira da qual fiz propósito de vida.
Propósito, aliás, é a palavra-chave. Se volto à minha história, é porque ela confirma ainda outro aspecto apontado no seminário. Segundo estudos recentes, o medo não é bom propulsor de mudança. Apenas uma em cada dez pessoas adota novos hábitos para evitar adoecer ou morrer subitamente. São os ideais os grandes motivadores.
Cada um deve definir seu propósito e, a partir daí, buscá-lo de forma disciplinada. Há muitos anos estudo saúde, converso com especialistas, vou a eventos, faço cursos. Mas entendo que esse esforço de pesquisa não está ao alcance de todos.
Por isso reforço meu chamado a encarar a questão em sua totalidade. A palavra “disciplina”, tão lembrada como um comportamento exigido do obeso, deveria, também, assumir ainda mais sua dimensão como campo de conhecimento nas universidades.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892