Com a chegada do agitado fim de ano, eu me pego pensando em uma tradição de Natal simples e, por isso mesmo muito especial: o calendário do Advento. Você talvez não esteja ligando o nome ao objeto, mas com certeza já se encantou ou viu com curiosidade alguma das muitas versões que circulam dele nesta época do ano.
Nascido na Alemanha entre o fim do século 19 e o começo do 20, ele marca os dias que antecedem o Natal – o advento ou chegada de Jesus, para os cristãos. Sua característica é esconder, atrás de cada data de 1º a 24 de dezembro, uma mensagem ou um mimo singelo.
O objeto se tornou popular há cerca de cem anos, quando o gráfico alemão Gerhard Lang aprimorou o calendário caseiro de sua infância para um modelo encartado em um jornal de Stuttgart. Os primeiros modelos traziam, nas aberturas, gravuras natalinas ou versículos relacionados ao período.
O que Lang fez foi dar escala material a uma tradição de recolhimento. Para os mais pobres, esperar o Advento era apenas fazer um risco na parede a cada dia. Para outros, era o rito de acender uma vela por noite.
Com o tempo, as janelas dos calendários do Advento passaram a acomodar pequenos presentes, como chocolates e outros doces. Hoje, elas guardam quase tudo que se possa imaginar pela lógica do mercado: de perfumes e cremes até vinhos e joias. Vale qualquer coisa que traduza de forma concreta o espírito festivo e confiante desse momento do ano.
Mas isso não impede que haja também versões mais abstratas. Podem ser programas de rádio que contam uma história por dia, como se faz na Escandinávia, ou mesmo calendários vivos, em que janelas na fachada de prédios se abrem progressivamente, como é feito em algumas cidades germânicas – o maior que se registra é o da Câmara Municipal de Gengenbach, aos pés da Floresta Negra.
O importante, penso eu, é o poder de reflexão que essa tradição provoca e que pode ser resumido em seus dois aspectos principais: a contagem regressiva, que registra nossa expectativa, e a surpresa que nos aguarda a cada janela aberta. Em qualquer de suas variantes, das mais comerciais às mais abstratas, esse pequeno calendário recupera o valor de marcar a passagem do tempo e de se deixar maravilhar pelo que ele nos traz.
Em nosso cotidiano apressado, muitas vezes não nos damos conta de tudo que cabe em um dia. Pouco pensamos sobre a jornada pessoal que percorremos a cada 24 horas. Mesmo a noção de quanto dura um dia pode variar, com as horas “úteis” se estendendo noite adentro. Deixamos de perceber o sentido único do tempo e que cada dia pode oferecer, sim, uma janela de oportunidades.
Pois também às vezes nos escapam as surpresas que traz o cotidiano. Elas podem ser grandes, como a recuperação da economia de um país num ritmo melhor do que se esperava após a pandemia. Ou pequenas, como um encontro ou telefonema inesperado com uma boa notícia que nos faça sorrir. Quero, então, começar este mês propondo um calendário de Advento que ainda não vi à venda. Ele não precisa nem mesmo ter existência física. Independentemente da sua convicção religiosa, proponho que você pense, dia após dia, no que deseja para a humanidade. Que cada janela revele um bom pensamento, singelo como um traço de giz, iluminado como uma chama esperançosa, por um futuro melhor.