Alguns anos atrás, a Veja São Paulo estampou na capa uma simpática jabuticabeira flutuando no centro de uma sala. Presa por cabos de aço e com as raízes trabalhadas em formato de novelo, a árvore fazia parte de uma mostra de decoração. A intenção do arquiteto foi despertar consciência em relação à natureza e sua conservação. Aquela jabuticabeira certamente não gerou muitos frutos, já que a espécie exige bastante água. Mas a ideia de cultivar alimentos dentro ou perto de casa deveria ocupar o centro de um debate atual: Como será a produção e a distribuição de alimentos num mundo pós-pandemia?
Escrevo este artigo impactada por uma outra imagem, desta vez nada graciosa, que ganhou destaque na semana passada: tratores destruindo toneladas de hortaliças no cinturão verde de São Paulo, região que reúne 7 mil de produtores de hortifrúti. Milhões de pés de alface, rúcula, agrião, almeirão, entre outros vegetais folhosos viraram adubo de uma hora para outra. Desperdício semelhante aconteceu no cultivo de frutas em outras regiões do país que, por problemas de demanda, apodreceram no pé.
Isso aconteceu porque, devido ao isolamento social para combater a Covid-19, milhares de feirantes, restaurantes, refeitórios e cozinhas industriais deixaram de comprar produtos. A falta de demanda também tem abalado a produção de aves: ovos fertilizados que iriam para a incubadora estão sendo quebrados, e aves matrizes abatidas. Nos supermercados, consumidores assustados com a pandemia dão preferência a alimentos não-perecíveis para voltarem pouco às lojas.
Para quem passou grande parte da vida defendendo alimentos frescos, ver tanta comida boa sendo inutilizada é de partir o coração. Pior é que nem doar esses alimentos os produtores conseguem: os custos de transporte são proibitivos. Num cenário de grande desaceleração econômica, em que milhões de pessoas perdem renda na velocidade que suas mesas perdem valor nutricional, é lamentável não haver bons projetos que possam, numa emergência, incluir esses perecíveis na cesta básica de quem precisa.
Felizmente nem tudo é desalento. A crise tem acelerado tendências detectadas anteriormente, como a venda direta do produtor ao consumidor final. Alguns produtores já estavam comercializando hortaliças por assinatura, fazendo entregas do campo à mesa, sem intermediários. Hoje há fornecedores de peixes, frutos do mar e até de flores que atendiam restaurantes e hotéis e passaram a fazer o mesmo para residências.
Sempre defendi que as famílias, tal como os grandes chefs, conhecessem melhor os produtores de modo a criar vínculos com eles. Num mundo ideal, seria excelente que cada família mantivesse um canteiro com temperos no apartamento, uma horta no quintal, ou até um pequeno galinheiro nos fundos de casa. Não apenas pensando na autossuficiência alimentar, como também para dar às crianças uma educação ecológica e sustentável, que enaltecesse valores relacionados a vida, ao consumo consciente e ao respeito à terra e a água. Saudade do tempo da escola, quando fazíamos aquela experiência emocionante do feijão que brotava no algodão. Experiência que, por não ganhar continuidade na vida adulta, acabou esquecida como uma jabuticabeira de decoração