De pé em um caixote, ou no centro de uma roda, um homem discursa. Alguns ficam para ouvir. Outros só espiam e vão embora. É uma cena ainda comum em praças por aí. Ou melhor, em qualquer tela ao alcance de você. Pois em cada post de rede social e, às vezes, também em textos de jornal, vemos especialistas e palpiteiros destilando certezas inabaláveis — ao menos até uma nova vir desbancar as anteriores.
A temperança não é hoje artigo popular. Ao longo dos anos em que acompanho o segmento de saúde e bem-estar, vi uma série de “estridências” relacionadas a dietas para emagrecer, desinchar, desintoxicar, além de treinos mais eficazes e de remédios milagrosos de todo tipo, fossem receitas caseiras ou fruto da farmacêutica de ponta. Cada novidade que surge é anunciada por alguém como a solução definitiva para o problema em pauta. E tem sempre alguém disposto a ouvir — e também a contestar.
À diferença do que ocorre com os palanques físicos, não é tão simples virar as costas para os virtuais. Ao buscar informação sobre algo que nos interessa, somos invadidos o tempo todo pelo “último grito”. Retomo essa expressão, tão usada em outras épocas para definir tendências, porque ela parece ter adquirido outro sentido, mais literal. Este mundo no qual pouco se escuta o outro me recorda uma frase de Desmond Tutu (1931-2021). Arcebispo da Igreja Anglicana e figura central da luta contra o regime racista do apartheid na África do Sul, ele contava que seu pai sempre dizia: “Não levante a sua voz; melhore os seus argumentos”. Hoje parece que nem a chancela do Nobel da Paz, que Tutu levou em 1984, basta para ele ser ouvido em meio à balbúrdia.
“Como já dizia Aristóteles: ‘O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete’ ”
Em lugar de diálogos, temos monólogos sucessivos. Como se cada pessoa fosse detentora de uma verdade única. Na prática, sabemos, não é assim. Alternativas tidas como milagrosas ao nascer tornam-se alvo de questionamento conforme se difundem. Quanto mais uma técnica se torna almejada, mais pessoas se tornam aptas a exercê-la, fazendo-a mais acessível. Isso tem dois efeitos. Um é o risco de prática indiscriminada. O outro é o conhecimento trazido pela repetição. Nesses “testes do real”, problemas surgem.
A cirurgia bariátrica é um exemplo recente. Primeiro realizada sob indicações médicas mais estritas, passou a ser vista como panaceia. Há pouco, estudos mostraram que uma grande parcela dos operados volta a ganhar peso. A julgar pela grita que se seguiu, ela estaria condenada. Mas continua sendo útil, quando há indicação e com o devido acompanhamento. As canetas emagrecedoras passam por processo semelhante. A estridência se faz ouvir em ondas, ora para louvar seus benefícios, ora para reclamar de seu alcance — como elas não têm genéricos, ao menos até 2026 quando cairá a patente, seu uso se limita às camadas de maior renda. No fim, falta temperança para aceitar que, assim como princípios ativos no passado — lembra do orlistat e da sibutramina? —, seu efeito cessa com a interrupção do uso.
De minha parte, só prego, sem medo de arrependimentos, uma coisa: a moderação. Como já dizia Aristóteles: “O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”. Prefiro observar com calma esse desfile de certezas e formar minha própria opinião. Afinal, prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Se bem que é capaz de alguém reclamar da canja.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890