
Uma empreendedora australiana faz milhões promovendo a saúde apenas pela alimentação. Outra, prodígio do Vale do Silício, alcança a fama prometendo identificar doenças complexas com poucas gotas de sangue. Duas vidas, um fim comum: a condenação na Justiça pelas farsas que venderam. As histórias reais das criadoras da marca The Whole Pantry e da startup Theranos têm outro ponto de convergência: geraram séries de alta repercussão, capazes de alertar e conscientizar para os perigos das fake news.
Desde que o mundo é mundo, onde houve uma mazela, surgiu também uma promessa de cura mágica. Simpatias, crendices, práticas e remédios ineficazes, que podem até fazer mais mal do que bem, são fartamente relatados. Hoje, o que corria de boca em boca chega em “trends” de redes sociais. Na busca pelo equilíbrio da saúde e do corpo, muitos aceitam sugestões — às vezes estapafúrdias — de desconhecidos não qualificados para fazê-las.
Mas, se as telas contribuíram para ampliar a desinformação, elas também podem veicular reflexão. Têm se tornado cada vez mais comuns produções audiovisuais que revelam as engrenagens da mentira, ajudando o público a reconhecer os perigos de acreditar sem questionar.
O curandeiro que viajava de carroça vendendo beberagens milagrosas encontra atualização em personagens como Belle Gibson, retratada em “Vinagre de Maçã”. A série conta, em registro ficcional (às vezes até cômico), a história dessa jovem que vai de influenciadora a empresária de sucesso enganando meio mundo – e que acabou tendo de se haver com os tribunais.
Esse também foi o destino de Elizabeth Holmes. Aos 19 anos, ela criou um sistema que prometia diagnósticos completos a partir de exames simples e acessíveis. Foi condenada pelo engodo, mesmo argumentando que “fracasso não é fraude”. De fato, perseguir o sucesso pode ter sido o que a “adoeceu”. Como aluna da prestigiosa Universidade Stanford, tinha meios de alcançá-lo. Sua tentativa de abreviar o caminho terminou atrás das grades – e na série “The Dropout”.
Nem sempre, porém, a desinformação parte de indivíduos isolados ou de empresas que se vendem como inovadoras. Em alguns casos, vem de instituições que deveriam proteger o paciente – por exemplo, da dor.
O emprego abusivo de analgésicos gerou uma crise de saúde gigantesca nos Estados Unidos e é tema de duas séries, “Império da Dor” e “Dopesick”. Elas tratam de como a indústria farmacêutica agiu para ocultar os efeitos perigosos dos remédios que vendia – embora eficazes, eles podem viciar.
Se nem cheguei a incluir documentários nessa breve seleção é porque creio no poder educativo da ficção. Desde que baseada em fatos e realizada com responsabilidade, como é o caso dessas produções, ela é uma lente poderosa para capturar a atenção.
Nós nos preocupamos muito, não sem razão, com o prejuízo das telas para a vida das pessoas – e, só de passagem, cito a já comentadíssima série “Adolescência”, que pautou o debate recente ao falar de como o perigo pode entrar silenciosamente no quarto de nossos filhos. Mais uma prova de que as telas podem promover o senso crítico. Se divulgam o veneno, elas são também um meio de trazer o antídoto.