Há pouco tempo, um orangotango na Indonésia impressionou o mundo ao tratar de uma ferida de luta com uma pasta de folhas feita por ele mesmo. Gorilas no Gabão sabem cuidar de suas infecções com plantas e ervas, capazes, segundo estudos, de liquidar até superbactérias.
Os feitos farmacêuticos dos grandes primatas me lembraram de uma frase que escutei há vários anos e que nunca mais me abandonou: o corpo é mais antigo e mais sábio que a mente.
Talvez algo nessa linha de pensamento tenha levado os cientistas a, diante desses fatos, olharem para esses animais e se questionarem sobre quais outros segredos eles poderiam guardar. Como terão alcançado esse conhecimento sobre seus corpos? Não haveria aí algo de especial que pudéssemos aprender com eles?
Ao longo da história humana, a mente foi com muita frequência reafirmada como a nossa essência, o que orienta a vida, muito superior ao corpo — como se esse fosse mero acessório daquela, uma carcaça para carregar o que de verdade importa. Segundo essa concepção, o que vai dentro é que manda. Ao corpo caberia se deixar disciplinar. Ele seria apenas o “braço operacional”.
Eu, no entanto, me permito discordar e afirmar que, se ouvirmos com cuidado, o corpo sabe, sim, apontar suas necessidades e os caminhos para atendê-las.
Em uma de suas muitas cartas, o poeta Rainer Maria Rilke, já maduro, escreve a uma jovem que o havia procurado pedindo conselhos: “Não sou daqueles que negligenciam o corpo a fim de fazer dele uma oferenda para a alma”. Empregando a fé cega na razão, essa característica que define a posição única dos humanos, nos distanciamos de nós mesmos como objeto de estudo.
“Não digo que nós devamos correr para o jardim e para a horta em vez de ir ao médico e à farmácia”
Será que não compartilhamos uma sensibilidade ou uma sabedoria natural com outros seres vivos? Talvez o que chamamos de intuição seja uma forma particular do mesmo instinto que permite aos gorilas saber que árvores como a sumaúma e a figueira ajudam a combater o mal-estar.
Não digo que nós devamos correr para o jardim e para a horta em vez de ir ao médico e à farmácia. Mas, sim, que precisamos estar mais atentos ao que nosso corpo comunica.
Por anos, eu mastiguei cravo-da-índia quando precisava de foco. Ninguém me disse para fazer isso. Eu apenas sentia que funcionava. Hoje, o óleo essencial dessa especiaria é indicado para ajudar a concentração.
O mesmo vale para uma relação que estabeleci ao me expor ao sol. Licopeno e betacaroteno ainda não eram palavras tão conhecidas quando percebi que ganhava uma cor mais saudável se, antes da piscina ou da praia, tomasse um suco de tomate.
Diferentemente dos gorilas e orangotangos, dispomos da ciência, de médicos, de laboratórios, de químicos sintetizados. Não precisamos mastigar plantas para aplicar sobre a pele baseando-nos apenas no aprendizado empírico.
Mas, como eles, somos capazes de dar atenção aos cinco sentidos e ver como o mundo ao redor nos toca. Podemos entender muita coisa sem precisar o tempo todo do saber. É importante observar como reage a superfície desse corpo, que prefiro chamar de “guia silencioso”.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911