A ciência do improviso

Quem tem uma rotina de viagens profissionais parece viver uma constante sucessão de improvisos. O tempo voa entre um compromisso e outro. Vai-se de uma conferência a uma reunião, desta para um café, e muitas vezes também as refeições são momentos de trabalho.

Agora mesmo estou há algumas semanas entre Europa e Ásia e sei bem como agendas apertadas podem servir de desculpa para negligenciar os cuidados pessoais. No entanto, improviso não precisa ser sinônimo de desorganização. Na verdade, ele tem a ver com a capacidade de adaptação, que é fundamental para qualquer viagem bem-sucedida.

Sempre me interessei pela ciência do hábito, que analisa como comportamentos se formam, se sustentam ou mudam. Essa área de estudo nos mostra que nossos hábitos se estruturam em ciclos claros: um gatilho ativa uma rotina que, por sua vez, traz uma recompensa.

Quando estamos fora de casa, especialmente em viagens frequentes e longas, é muito fácil romper esse círculo virtuoso. É aí que entra outra ciência que tenho aperfeiçoado: a “ciência do improviso”.

Um exemplo disso é uma das minhas estratégias favoritas para me exercitar em qualquer lugar que tenha uma porta: levar na mala uma faixa elástica e uma caneta.

Basta encaixar a caneta no vão entre a porta e o batente, ancorando assim o elástico, e temos tudo o que é preciso para um treino rápido e eficaz de fortalecimento muscular. Esse pequeno ritual, na verdade, funciona como um poderoso lembrete: estar longe de casa não significa abandonar a disciplina.

“A criatividade é o melhor aliado de quem quer manter corpo e mente saudáveis”

No meu caso, a rotina entre deslocamentos inclui trajetos a pé, sempre que possível, e me alongar ainda na cama, para garantir a disposição durante os longos dias. Como se vê, é preciso bem pouco para acionar a ciência do improviso.

Ela envolve criar novos gatilhos e associá-los a pequenas recompensas imediatas, ainda que seja para compensar eventuais escapadas gastronômicas.

Assim, o famoso black pudding britânico pode até não ser um exemplo clássico de dieta saudável, mas, estando nas terras do rei Charles, não é preciso pular esse clássico dos cafés da manhã de lá. É exatamente nessas ocasiões que um breve treino improvisado pode fazer toda a diferença.

Mesmo pratos equilibrados, como o saudável shabu-shabu japonês — que acredito ser parte do segredo da longevidade local —, podem ser usados como gatilhos para lembrarmos da necessidade de manter o cuidado corporal.

Mais importante ainda é vencer o estigma comum de que estar longe de casa é sinônimo de ganho de peso ou de negligenciar a saúde. Afinal, “companheiros de viagem” como a faixa elástica pesam bem menos na bagagem do que a consciência por não ter cuidado de si em uma ausência prolongada.

Com a ciência do improviso, aliada ao autoconhecimento e ao domínio dos ciclos de hábito, é perfeitamente possível retornar de qualquer viagem profissional mais forte, focado e pronto para encarar novos desafios.

A criatividade não é só recurso destinado a soluções de última hora: ela é o melhor aliado de quem quer manter corpo e mente saudáveis, mesmo quando o movimento mais frequente é o das rodinhas das malas.

Publicado em VEJA de 27 de junho de 2025, edição nº 2950

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