O vermelho das raias de atletismo se destaca em meio ao verde visto da minha janela. Duas longas retas, duas amplas curvas e, entre elas, tantos sonhos de vitória e exemplos de perseverança desfilam todos os dias. Fico me perguntando quantas vezes, sem saber, meu olhar pode ter captado os amplos saltos de Alison dos Santos, o Piu, na pista do Esporte Clube Pinheiros. Piu é um dos sete esportistas que trouxeram para o Brasil medalhas olímpicas conquistadas com o suor que deixaram no Pinheiros. Dos 34 atletas que o clube enviou, o maior destaque foram os judocas — entre os quais Beatriz Souza, nosso primeiro ouro nos Jogos de Paris.
Com essa campanha, o Pinheiros ficaria à frente de 52 países. Seu bom desempenho é tradição. Noutros tempos, inscreveu seu nome nos quadros de medalhas com o mítico João do Pulo, os nadadores Gustavo Borges e Cesar Cielo e o ginasta Arthur Nory. No entanto, ao pensar no que vejo da janela ou quando atravesso suas instalações, entendo que um clube vai muito além desses feitos.
A história dos clubes — não só os esportivos, mas também estes — está associada ao crescimento das cidades. Em meio à multidão, as pessoas procuravam se unir aos semelhantes, o que significava criar espaços para exercer suas atividades favoritas à parte do turbilhão da vida urbana. Isso explica por que os clubes cresceram em São Paulo na década de 1920, quando a cidade começava a se configurar como a metrópole que viria a ser. As associações eram um traço de modernização e também tinham a ver com o crescimento da imigração — o próprio Pinheiros era vinculado à comunidade alemã, como o Palmeiras à italiana.
“As associações eram um traço de modernização e tinham a ver com o crescimento da imigração”
Era uma época em que a cidade ainda usava seus rios — até pouco tempo atrás, entre os mais velhos muitos se recordavam das regatas no Tietê. A importância de cuidar do corpo e da saúde ganhava crédito, assim como os benefícios do esporte para a educação. Com isso, os espaços para sua prática eram valorizados.
Com o passar do tempo, parte da população começou a torcer o nariz para a ideia de se unir a semelhantes, por julgar que era igual a excluir os diferentes. Não exatamente por isso, mas talvez pegando carona na ideia, o comediante Groucho Marx disse, certa vez: “Não quero fazer parte de um clube que me aceite como sócio”.
Ironicamente, foi também o crescimento das cidades a causa mais provável para que os clubes tenham perdido apelo. Com a vida corrida, o tempo para a reunião regular rareou. Cansados e apressados, fomos deixando de atender ao chamado da vida pública em torno de gostos compartilhados. As redes sociais supriram, em parte, essa função agregadora. Mas, com tudo o que elas têm de democrático, ficam longe do encanto que o verdadeiro encontro proporciona.
Os clubes, porém, parecem estar se recuperando como local de convívio. Talvez um tanto em reação a esse afastamento da vida atual e, outro tanto, bem importante, por permitirem ficar à vontade e em segurança.
Não há dúvida, alguns deles são de fato privilegiados, com áreas verdes, piscinas, academias , salões de jogos, cinema, restaurantes e tantas outras oportunidades para cultivar a convivência. Porém a verdadeira beleza não é a do espaço em si, e sim a do encontro de pessoas em volta do que elas têm de melhor.
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907