Reduzir custos da saúde e inflação do setor requer esforço conjunto
Equilíbrio requer solidariedade entre todos os elos da cadeia

Em sua multiplicidade de aspectos interligados, o setor da saúde é uma engrenagem complexa. Cada vez que um paciente é atendido, uma gigantesca rede de atores e processos entra em movimento. Manter o equilíbrio dessa cadeia, que é, afinal, o que garante o funcionamento sustentável do sistema, requer solidariedade entre todos os seus elos. A administração dos custos médicos, cada vez mais altos, é um desafio que temos de enfrentar conjuntamente.
Neste ano, a inflação do setor deve ficar próxima de 13%, um pouco inferior à do ano passado (14,1%). Na verdade, desde 2022, o Brasil vem apresentando índices superiores aos internacionais, que atualmente giram em torno de 10%, o que, em parte, se deve à nossa dependência de insumos e equipamentos importados, cujos preços estão sujeitos à flutuação cambial. Outros fatores, porém, ajudam a explicar os altos índices, entre os quais o aumento da demanda por consultas, tratamentos e internações, a incorporação de tecnologias de ponta e de novas terapias e, em outro flanco, o desperdício, a fraude e a judicialização.
O aumento da expectativa de vida do brasileiro, hoje em 76,4 anos, é um reflexo da melhoria da qualidade de vida e do acesso a serviços de saúde, mas a boa notícia traz como contrapartida desafios para todo o sistema. O envelhecimento da população costuma vir acompanhado de doenças crônicas, como o câncer, o diabetes, as cardiopatias e as demências, entre outras, que requerem tratamentos contínuos e caros. Essa é uma realidade à qual o sistema tem de se adaptar. Podemos, isto sim, cuidar para que as futuras gerações envelheçam com mais saúde e qualidade de vida e, ao menos tempo, com menos demandas por atendimento.
Também as doenças comportamentais exercem forte pressão sobre os custos do sistema. Alcoolismo, distúrbios alimentares, estresse e sedentarismo são fatores geradores de internações frequentes. Isso sem falar nos acidentes de trânsito. Com o aumento significativo do uso de motocicletas, aumentaram também os sinistros. O SUS gastou, de 2014 a 2024, R$ 2,4 bilhões em internações de motociclistas acidentados, tendo atingido o pico no ano passado, quando a despesa chegou a R$ 257 milhões.
A obesidade, por sua vez, cujos índices vêm subindo globalmente, é outro fator preocupante, pois tende a ser o ponto de partida de várias doenças, como o diabetes tipo 2, a hipertensão e a apneia do sono, que requerem tratamentos e hospitalizações recorrentes. Embora seja uma condição complexa e multifatorial, a obesidade, em muitos casos, tem um componente comportamental (maus hábitos alimentares e baixa atividade física) e afeta a autoestima, prejudicando a saúde mental.
Outro problema que afeta os custos da saúde é o comportamento de pacientes que não aderem aos tratamentos prescritos quando estes requerem mudança no estilo de vida. Isso ocorre, por exemplo, nos casos de hipertensão e diabetes, que requerem dieta, uso regular de medicamentos e exercícios. O resultado é o agravamento do quadro e o aumento de internações evitáveis, gerando sobrecarrega do sistema de saúde. É preciso manter o paciente informado sobre as consequências de negligenciar o tratamento e fazer o seu monitoramento. Não podemos esquecer que a pessoa, quando entra no sistema como paciente, passa a ser um dos elos da cadeia e, assim, tem responsabilidade também pelos custos.
O desperdício hoje já pode ser minimizado com o auxílio da inteligência artificial tanto na gestão de processos como na medicina preditiva e diagnóstica, mas, naturalmente, tudo isso requer investimento. A tecnologia promete otimizar os gastos em saúde em várias frentes. Há experiências interessantes, como a da clínica Onkos, que desenvolveu um exame genético capaz de distinguir os tumores de tireoide benignos dos malignos, evitando a prática de fazer cirurgias por precaução, por impossibilidade de determinar com precisão a característica do nódulo. Evitar uma cirurgia desnecessária é bom para o paciente e representa salutar economia de custos. Daqui para a frente, por certo, veremos muitas aplicações da tecnologia na redução de demanda por cirurgias e também no avanço da cirurgia robótica, que permite graus maiores de precisão. É claro que a tecnologia tem alto custo na fase de implantação, mas o investimento, em futuro breve, pode trazer não só o aprimoramento das práticas como real economia.
Todo esse avanço da medicina, com tratamentos novos, gera, por certo, expectativa entre os usuários de planos de saúde, que esperam tê-los à sua disposição em caso de necessidade. Vemos, no entanto, que as operadoras, para incorporarem toda a demanda dos pacientes – inclusive os tratamentos multidisciplinares para o tratamento do transtorno do espectro autista e os medicamentos de alto custo para doenças raras –, têm adotado soluções para equilibrar custos (reajustes, cancelamentos etc.) que afetam diretamente a parte mais vulnerável do sistema, o paciente, que é também a sua razão de existir.
O resultado dessa fricção, como temos visto, é a alta judicialização do setor, que, por sua vez, impacta os demais atores. É nos hospitais e nas clínicas que se cumprem, de imediato, as decisões judiciais, o que, muitas vezes afeta a previsão de custos dessas instituições. Isso vale também para o SUS, cujo orçamento é igualmente afetado pela judicialização. Recentemente o governo firmou acordo de compartilhamento de riscos com a farmacêutica Novartis para a compra de um medicamento de alto custo, indicado para pacientes com atrofia muscular espinhal. A negociação é o caminho certo para solucionar esse tipo de demanda com a desejada razoabilidade.
O que não se pode admitir é que clínicas, médicos ou mesmo pacientes fraudem planos de saúde, um problema que vem sendo observado pelas operadoras. A prática, além de ser criminosa, onera o orçamento das companhias e influencia na alta da inflação do setor. Um aumento inesperado nos gastos das operadoras influi no conjunto de atores do sistema, numa espécie de efeito cascata. Antes de pagar as despesas hospitalares, por exemplo, as empresas escrutinam as contas apresentadas e, enquanto isso, retêm os pagamentos. O procedimento é normal, embora, no último ano, o percentual de despesas questionadas tenha sido bem mais expressivo que em anos anteriores. A retenção de altos valores, além de impactar o orçamento das instituições, por vezes levando à redução de investimentos necessários, afeta também o pagamento dos fornecedores de equipamentos e insumos.
Conforme os dados divulgados recentemente pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), as operadoras obtiveram expressivo lucro líquido no ano passado, o que é uma excelente notícia, mas é preciso lembrar que o sistema precisa do equilíbrio para funcionar. Isso quer dizer que todos os elos da cadeia devem ter resultados satisfatórios. Os desafios são grandes, mas cada um deve fazer a sua parte sem perder a visão do conjunto.
Estamos em uma fase de transição, em que precisamos investir na tecnologia a serviço da otimização de serviços e de custos, para oferecer aos pacientes, de forma sustentável, o que há de mais moderno. Ao mesmo tempo, o incentivo à prevenção é uma aposta no futuro: estimular a população a cuidar da saúde antes que a doença se instale é também um meio de cuidar da saúde financeira do sistema.