Os próximos passos para a saúde digital no Brasil
Portaria recém-assinada regulamenta a telessaúde, mas investimentos em infraestrutura de comunicação e capacitação profissional têm de avançar
O uso da tecnologia a serviço da saúde fez um grande avanço no Brasil com a portaria do Ministério da Saúde para regulamentar os serviços de telessaúde no país. A pandemia de Covid-19 mostrou que o atendimento de saúde à distância, hoje possível por já haver recursos tecnológicos com capacidade suficiente, é e será cada vez mais fundamental. E a democratização do acesso à saúde está entre os maiores benefícios que a Saúde Digital pode trazer.
De início, pode-se lembrar que ainda há muitas regiões brasileiras que sequer contam com a presença de médicos. Algumas áreas de mais difícil acesso inclusive contam apenas com profissionais de enfermagem. Consultas com especialistas, acompanhamentos e tratamentos se revelam uma experiência difícil para as pessoas, que muitas vezes fazem verdadeiras peregrinações para as regiões em que tais serviços são oferecidos. A possibilidade de levar a tais pessoas o contato remoto com especialistas representa um inegável ganho para a saúde pública.
Para isso, no entanto, será preciso também oferecer infraestrutura. Informatizar o atendimento público à saúde é um desafio que não será resolvido em apenas alguns anos. Investimentos em extensão dos serviços de internet, em capacitação de profissionais de saúde para lidar com o novo formato e mesmo em fornecimento de serviços básicos como saneamento e energia elétrica terão de estar na agenda. A telessaúde será um avanço como poucas vezes se viu no país – mas ela não resolverá, sozinha, outras insuficiências. Serão, portanto, passos necessários ainda a ser dados para que o acesso à saúde seja de fato democratizado.
A portaria também vem suprir uma lacuna, deixada pelo fim da emergência sanitária de covid-19, em 22 de maio. Com isso, a autorização dada aos serviços de telemedicina, em vigor desde abril de 2020, perdeu a validade – dado que foi concedida em caráter emergencial. O uso da telemedicina, lembremos, já foi incorporado pelos usuários: um estudo recente, do Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), mostrou que ao menos 50% da população brasileira realizou serviços de saúde online nos últimos 12 meses.
Um outro passo a ser dado rumo à consolidação das regras para a telessaúde (mas não só) no Brasil é o projeto de lei, hoje em tramitação no Congresso, para o marco legal da inteligência artificial. São (e serão cada mais) inúmeras as áreas em que a IA encontrará aplicação, e na Saúde é preciso ter absoluta segurança com relação ao sigilo das informações do paciente, bem como dos sistemas e equipamentos que serão empregados, responsabilidades por eventuais erros e tantos outros aspectos. Tudo isso precisará ficar acertado na nova legislação, e é preciso que toda a sociedade acompanhe os debates em torno desse tema.
Sobre a capacitação dos profissionais de saúde, um próximo passo será preparar as escolas de medicina brasileiras para educar as futuras médicas e os futuros médicos a terem na telessaúde uma ferramenta sempre à mão. Hoje, ainda se trata de um recurso ainda visto (mas cada vez menos) como excepcional. A telessaúde terá de se tornar um instrumento a ser usado com naturalidade, e para isso sua presença na formação médica terá de crescer.
Não será nunca demais lembrarmos que a medicina envolve o contato pessoal direto entre médico e paciente. Por mais sofisticada que seja a IA, por mais imersivos que sejam os ambientes digitais em que uma consulta remota acontecerá, em algum momento a consulta presencial terá que ter lugar. E o diagnóstico terá de ser dado pelo médico, por mais que a inteligência artificial o auxilie a chegar a ele. Mas o mundo conectado de hoje caminha para cada vez mais tecnologia em nossas vidas, e não só na saúde. A portaria recém-assinada é um grande passo para firmar esse compromisso. Cabe já pensar nos próximos passos, em nome do acesso sempre crescente à Saúde Digital no Brasil.