Clique e Assine VEJA por R$ 9,90/mês
Imagem Blog

Claudio Lottenberg

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
Continua após publicidade

O descompasso da especialização de novos médicos no país

Dispor de mais profissionais de medicina nada tem de errado na raiz. Mas um médico não se forma com poucos vídeos, resumos e uma ou outra tutoria

Por Claudio Lottenberg
1 jul 2024, 16h44

Formar um médico não é fácil. Não vai aqui autoelogio algum, apenas uma consideração objetiva. Uma graduação, em média, leva seis anos para ser concluída. A residência, por sua vez, pode levar de dois a seis anos, a depender da especialidade. Entre oito e 12 anos, este pode ser o período de espera para que aquele calouro, pleno de entusiasmo e prestes a realizar um sonho (o próprio e o de toda uma família), passe a integrar uma comunidade milenar, em uma prática que remonta a Hipócrates (e mesmo bem antes).

Não raro se ouve dizer que um médico é mais que um graduado em medicina. Que no médico há um certo quantum de vocação. Um direcionamento espiritual (e nada há de contraditório entre medicina e espiritualidade; há inclusive um juramento envolvido, como dito acima). Para ser justo, essa visão não é exclusividade da carreira em medicina. Basta perguntar a qualquer outra pessoa que realizou o sonho de se formar em uma universidade. O senso de realização é algo a que descrição alguma faz jus.

Mas o médico vai lidar com nada menos que a saúde das pessoas. Com a vida e a qualidade desta de uma maneira tão direta e íntima que talvez em nenhuma outra área haja uma experiência similar. Não há como reforçar o suficiente a importância de se bem preparar um médico. Isso envolve ensino de excelência, prática supervisionada por pessoas de longa experiência acumulada, muitas (muitas!) horas de estudo e dedicação.

Por isso é que causa um certo choque encontrar dados como o da Demografia Médica no Brasil 2023 (produzida pela Associação Médica Brasileira e pela Faculdade de Medicina da USP) que diz que a defasagem entre graduados em medicina e a oferta de vagas em residência médica de acesso direto em 2018 era de 3.866 cadeiras e, em 2021, aumentou para 11.770.

A Demografia Médica 2024, do CFM (Conselho Federal de Medicina), mostrou que o Brasil tem pouco menos de 576 mil médicos atualmente. No início da década de 1990, eram pouco mais de 131 mil. O total mais que quadruplicou. A população brasileira, no entanto, passou de cerca de 144 milhões para cerca de 205 milhões – um avanço de aproximadamente 42%. Alguma coisa aconteceu para que houvesse esse imenso descompasso.

Continua após a publicidade

O fenômeno que talvez se sobressaia no nosso contexto seja o da criação acelerada de cursos de medicina no país. Dispor de médicos em profusão pareceria algo bastante positivo, não? Como diria a Rosalinda de Como Quiserem, de Shakespeare, não há como querer demais uma coisa boa. Mas o levantamento do CFM mostra que a cidade de Vitória (capital do Espírito Santo) tem cerca de 18,7 médicos por grupo de mil habitantes – densidade que talvez só alguns países desenvolvidos apresentem. O erro nesse quadro está em que em algumas cidades do Amazonas há 0,2 médico por mil habitantes (baixíssimo como em muitos países pobres).

Na raia paralela, temos a influência das redes sociais sobre a atividade de alguns médicos. Não há nada de errado em médicos fazerem uso de um meio que, de qualquer ângulo que se olhe hoje, parece ter vindo para ficar. A questão é que alguns “não-médicos” acabam disseminando fake news, desinformação, vendendo tratamentos, procedimentos e curas – e, valendo-se da disposição de tantas pessoas em aceitar o que eles vendem, acabam enganadas.

A argumentação que veio até aqui foi uma variação sobre o tema da formação médica. Em resumo, no Brasil há falta de vagas para a residência médica – principalmente diante da avalanche de formados que saem das salas de aula a cada ano. Não são poucos os que saem de escolas que talvez nem o nome mereçam – criadas de olho apenas em um nicho de mercado, e não no fato de que médicos lidam com a saúde e a vida. Isso atrai pessoas que bem podem estar de olho apenas em remunerações altas – e muitos descobrem apenas tarde demais que as coisas não são bem assim.

E a conclusão necessária dessa argumentação é: dispor de mais profissionais de medicina nada tem de errado na raiz. Mas um médico não se forma com uns poucos vídeos, resumos e uma ou outra tutoria. Escolas de medicina demandam professores experientes, alunos comprometidos, equipamentos modernos, conteúdos científicos atualizados, a lista não caberia aqui. Talvez haja um limite superior: o CFM mostrou que o Brasil tem, em média, 2,81 médicos por mil habitante – mais que EUA, Japão e China. Mas se o aumento for meramente numérico, sem avanço na qualidade da formação – isso talvez seja pior do que se os médicos estivessem em falta.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.