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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Einstein Hospital Israelita

O cérebro sob o comando da tecnologia

Avanço tecnológico deve garantir que a ciência sirva à humanidade em toda a sua diversidade

Por Claudio Lottenberg
12 set 2025, 10h37

Durante séculos, a medicina buscou aliviar o sofrimento humano por meio de substâncias químicas. Hoje, uma nova fronteira se abre: a da neurotecnologia. Se antes a ideia de um chip no cérebro apenas evocava distopias de controle mental, hoje os implantes cerebrais – dispositivos que interagem diretamente com os circuitos neurais – já transformam vidas, restaurando capacidades perdidas e oferecendo autonomia. É claro que os desafios éticos devem ser enfrentados, mas sem prejuízo do avanço que a ciência oferece sobretudo às gerações futuras.

Os implantes cerebrais têm demonstrado benefícios em diversas condições médicas. Estima-se que milhares de pessoas já tenham recebido dispositivos para tratar epilepsia e Parkinson. No primeiro caso, os chips bloqueiam impulsos que causam convulsões; no segundo, reduzem tremores e melhoram o controle motor. Estudos indicam potencial para tratar Alzheimer em estágio inicial, depressão resistente, dor crônica e até sintomas físicos como incontinência e artrite.

Casos de tetraplegia revelam o impacto transformador da tecnologia. Há alguns anos, o holandês Gert-Jan Oskam voltou a caminhar após um acidente graças a uma ponte neural capaz de conectar cérebro e medula espinhal. Ele participou de um projeto experimental franco-suíço, pioneiro no desenvolvimento dessa técnica. Nos Estados Unidos, Noland Arbaugh, tetraplégico, recebeu o chip Telepathy, da Neuralink, por meio do qual passou a controlar o computador com o pensamento. Na China, uma interface cérebro-coluna permitiu que quatro pacientes paraplégicos voltassem a andar. Um deles, Lin, começou a mover as pernas 24 horas após a cirurgia e, em duas semanas, já caminhava cinco metros. Outro exemplo marcante é o de Keith Thomas, nos Estados Unidos, que, graças a um bypass neural duplo que conectou cérebro, medula e membros com auxílio da inteligência artificial, voltou a mover a mão após anos de paralisia.

Basicamente, os eletrodos implantados captam impulsos elétricos gerados quando o paciente pensa em se mover. Como esses sinais são únicos, sistemas de inteligência artificial (IA) interpretam os padrões em tempo real, transformando pensamentos em comandos motores. O algoritmo envia instruções para estimular músculos ou medula, criando uma ponte artificial entre cérebro e corpo. A IA aprende com cada tentativa, tornando o sistema mais preciso e adaptado às necessidades individuais.

Recentemente, a Neuralink se lançou em um projeto que promete devolver a visão a pessoas cegas e com deficiência. A ideia dos pesquisadores é estimular diretamente o córtex visual com sinais digitais, ignorando os olhos e os nervos ópticos. Assim, a tecnologia pode beneficiar pessoas que tenham perdido os olhos ou sofrido danos irreversíveis no nervo óptico e até mesmo os cegos de nascença, desde que o cérebro esteja funcional.

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A tecnologia é fascinante, mas, como não poderia deixar de ser, requer altos investimentos, com tratamentos que podem ultrapassar centenas de milhares de reais. Após a implantação de um dispositivo, o paciente precisa de suporte contínuo para ajustes, recarga ou troca de baterias, além de acompanhamento médico. Além disso, os implantes não são curas milagrosas: em casos como a paraplegia decorrente de poliomielite, a técnica não se aplica, pois os neurônios motores inferiores são destruídos pela doença.

Há expectativa de que essas tecnologias se tornem mais acessíveis em cinco ou dez anos, com maior escala, regulamentação e integração aos sistemas de saúde. Para isso, será necessário formar equipes multidisciplinares e reduzir custos. Além do desafio da universalização do acesso a esses recursos, é inegável que outras questões se impõem com o rápido avanço da ciência nessa direção.

Um caso emblemático, que nos ajuda a refletir, é o de Casey Harrell, paciente com esclerose lateral amiotrófica (ELA), que, graças a um implante cerebral capaz de decodificar pensamentos e transformá-los em fala com até 97% de precisão, voltou a se comunicar após anos de silêncio. Ele teve implantado no córtex motor da fala um dispositivo que interpreta sinais neurais associados à fala imaginada e os converte em texto ou em uma voz sintetizada.

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Essa tecnologia iluminou a vida do paciente, mas levanta questões éticas, pois, em tese, consegue decodificar pensamentos que ele poderia não ter a intenção de verbalizar. Para controlar esse risco, os pesquisadores da UC Davis Health, da Universidade da Califórnia (EUA), criadores do dispositivo, desenvolveram uma espécie de senha mental, ou seja, uma palavra-chave que, conscientemente imaginada, aciona ou interrompe a leitura de pensamentos.

O caso encerra um paradoxo, pois a possibilidade de um equipamento ler o pensamento de uma pessoa é, ao mesmo tempo, uma forma de libertá-la de um silêncio desesperador (seja como sequela de um acidente vascular cerebral, seja como evolução da esclerose lateral amiotrófica) e uma porta de entrada ao que ela tem de mais íntimo. Na prática, já é possível ler o pensamento de uma pessoa.

Em suas reflexões, o historiador Yuval Noah Harari sugere que o ser humano esteja perdendo o controle sobre sua própria evolução. Não deixa de ser perturbadora a ideia de que, com o avanço da neurociência, o livre-arbítrio se revele como resultado de processos eletroquímicos que não controlamos inteiramente. Implantes cerebrais, então, poderiam ir além de tratar doenças: eles seriam capazes de modular emoções, de ajustar comportamentos e, em alguns casos, de antecipar decisões. Não adianta, porém, culpar a tecnologia por eventuais usos impróprios que dela se possam fazer. Se quisermos estar no controle da evolução, o caminho é o debate sobre questões éticas.

Implantes cerebrais são, sem dúvida, uma conquista extraordinária, mas talvez o verdadeiro avanço esteja em reconhecer que, mesmo diante da tecnologia mais sofisticada, o cuidado humano continua insubstituível. A medicina do futuro será mais eficaz, mais íntima e mais transformadora. Cabe a nós buscar o equilíbrio entre benefícios e limites, garantindo que a ciência continue a servir à humanidade em toda a sua diversidade.

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