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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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Cannabis medicinal: pesquisa em saúde justifica ir além

Temos de ser pautados pela boa ciência, sem nos deixar levar por resistências

Por Claudio Lottenberg
19 out 2022, 14h59

Os Estados Unidos aprovaram em 2018 o primeiro medicamento à base de cannabis. O Epidiolex foi aprovado para tratar pacientes com síndrome de Dravet (disfunção genética cerebral que surge no primeiro ano de vida) e síndrome de Lennox-Gastaut (forma de epilepsia que surge na primeira infância – entre 3 e 5 anos). Mas não começa em 2018 a história do uso medicinal da planta: em 1996, o Estado da Califórnia já havia aprovado. Na Europa, Noruega, Suécia, Finlândia, Alemanha, Suíça, Itália e Portugal têm seus programas de cannabis medicinal, e França e Irlanda testam os seus.

No Brasil, no entanto, o ritmo é incerto. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já autorizou 18 medicamentos à base de cannabis. O CBD (canabidiol) beneficia milhares (considerando apenas o Brasil) de pacientes que sofrem de condições clínicas como depressão, esclerose múltipla, dores crônicas, doenças de Parkinson e Alzheimer. Muitos deles já fazem terapia com a substância. O que nos preocupa é a nova norma do CFM (Conselho Federal de Medicina), divulgada no último dia 14, que restringe a prescrição de CBD para quadros outros que não os de epilepsia (e mesmo aí há restrições).

A norma destaca que teria havido resultados negativos do uso do medicamento em outras situações clínicas, e que este estaria sendo recomendado em substituição a tratamentos convencionais e cientificamente comprovados. São inúmeros os estudos, no entanto, realizados sob o crivo rigoroso da boa ciência por centros de pesquisa no mundo todo, e publicados em revistas científicas conceituadas, que caminham para os benefícios da substância. Existe aí uma oportunidade enorme para amenizar ou tratar doenças de muito sofrimento para o paciente. Temos de ser sempre pautados pela ciência, sem nos deixar ofuscar por resistências.

Uma pesquisa recente e pioneira no Brasil, por exemplo, já mostra o quanto se pode avançar na exploração das aplicações da cannabis à saúde das pessoas. O estudo, da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu, mostra como o uso diário de um composto de THC (Tetrahidrocanabinol) e CBD (Canabidiol) pode beneficiar pacientes com doença de Alzheimer. Os cientistas incluíram, no segundo semestre do ano passado, 28 pessoas diagnosticadas com a doença no estudo e o que se viu, após seis meses de acompanhamento, foi que eles se mostraram “clinicamente estáveis”.

Ainda que seja um grupo pequeno, não deixa de ser animador ver que houve melhoras na qualidade de vida com o uso do composto. Para o tratamento do Alzheimer, seria uma notícia ainda mais auspiciosa. Segundo o Ministério da Saúde, há no Brasil cerca de 1,2 milhão de pessoas com alguma forma de demência – número que cresce à razão de 100 mil casos a cada ano. No mundo, diz a Estimativas da Alzheimer’s Disease International, são cerca de 50 milhões nessa condição atualmente, podendo passar de 130 milhões até 2050, à medida em que a população envelhece.

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E o Alzheimer vem assim a se juntar ao rol de doenças cujos sintomas mais debilitantes podem ser em alguma medida atenuados pelo CBD. É conhecida e documentada já a utilidade da substância no tratamento de diversas condições neurológicas – epilepsia, esclerose múltipla, doença de Parkinson, dor neuropática, insônia, depressão, autismo, glaucoma, efeitos do câncer, a lista poderia ir longe.

O glaucoma é uma inflamação nos nervos óticos que provoca o aumento da pressão nos olhos, dor intensa e vermelhidão. O tratamento geralmente é feito com colírios que controlam a pressão e reduzem a dor. Em alguns casos mais graves, é indicada uma cirurgia. Em abril deste ano, foi noticiado que a Fundação Ezequiel Dias (instituto de ciências biológicas em Belo Horizonte, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde de MG) estuda um tipo de colírio à base de Cannabis para tratar pessoas com glaucoma – que, segundo a OMS, é a segunda maior causa de cegueira no mundo (e que no Brasil afeta aproximadamente 2 milhões de pessoas).

A cannabis e seu emprego medicinal são alvo de barreiras que não são estritamente científicas. Preconceito não vai bem com ciência – e como o que existe contra o canabidiol, há outros ainda por vencer. E por trás deles podem estar formas de alívio sequer imagináveis hoje para quem sabe quantos problemas de saúde. Uma frase atribuída a Benjamin Franklin diz: “Tudo o que você quer está do outro lado do medo”. No campo da saúde, isso certamente é um incentivo e tanto.

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