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Claudio Lottenberg

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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

Abrir caminho para a eficiência

Iniciativa privada pode acelerar imunização contra Covid-19, mas é preciso tirar a burocracia de campo

Por Claudio Lottenberg
31 dez 2020, 08h26

A burocracia estatal já rendeu clássicos literários do quilate de “O Processo” e “Na Colônia Penal”, de Franz Kafka. Neles, o indivíduo é só uma peça, alvo dos ritos de uma máquina estatal maciça, com suas regras misteriosas e irracionais. Mas, se na literatura isso gera obras de valor, no mundo real cria verdadeiros pesadelos. Ainda mais se o contexto for uma pandemia que já causou mais de 1,7 milhão de mortes pelo mundo, e que afetou mais de 60 milhões de pessoas.

A oposição imposta pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) à concessão de autorização emergencial ao laboratório americano Pfizer pode ser vista como uma tal teia burocrática. A agência quer do laboratório dados sobre sua vacina contra a Covid-19 que não compete a ela pedir. São cronogramas e informações que ficam a cargo do Ministério da Saúde solicitar.

Embora complexa, essa aprovação poderia, com boa vontade das autoridades envolvidas, levar 72 horas para ser concedida – permissão para que possa fazê-lo, o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) já deu. O prazo pode até ser curto, mas a Anvisa tem a seu favor a vantagem de poder se basear nas autorizações concedidas por duas das principais agências de aprovação de medicamentos do mundo – a FDA (a Agência de Alimentos e Medicamentos dos EUA) e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos, em inglês). A agência brasileira estaria apenas reiterando um processo de aprovação que já aconteceu em outros países. O que excede a razoabilidade é o prazo de até (incríveis) dez dias para avaliar um pedido de uso emergencial: uma emergência que leve dez dias para ser avaliada beira o cômico (embora seja mesmo trágico).

Não se faz aqui, de forma alguma, um apelo à pressa – muito ao contrário. É o caso de se ter cuidado; afinal, trata-se de um produto que tem de ser ministrado em dezenas de milhões de pessoas em todo o território brasileiro. Mas a cada dia que passa o número de contágios avança, e o mesmo com o número de óbitos. Não se pode tolerar prazos que não sejam absolutamente razoáveis e incontornáveis. Também não se busca apenas a liberação emergencial: o que cabe à Anvisa é propor uma fórmula célere para conceder o registro definitivo, de modo que a vacina da Pfizer possa ser distribuída em larga escala – inclusive à iniciativa privada.

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Aliás, o poder público poderia dar espaço para a atuação da iniciativa privada, que já tem hoje sob seus cuidados na área de saúde quase um quarto da população brasileira. As farmácias, por sua vez, já vêm realizando testes de sorologia com recursos da iniciativa privada, e estão prontas para prestar, com velocidade e eficiência, um serviço que seria extremamente benéfico ao país. Dando ao setor privado os instrumentos para vacinar, com logística e infraestrutura próprias, ganharia velocidade o efeito de imunidade em rebanho – que é quando conseguimos baixar a transmissibilidade. Essas cerca de 50 milhões de pessoas que seriam inicialmente vacinadas contribuiriam para gerar essa imunidade em rebanho, que é justamente o que se busca.

Além disso, a participação privada pouparia esforços ao SUS (Sistema Único de Saúde), que é o maior sistema público em um país com uma população deste tamanho (somos mais de 210 milhões). Aliar a capilaridade desse sistema à eficiência com que a iniciativa privada pode se mover, tanto na produção como na distribuição da vacina, tornaria um programa de imunização brasileiro um exemplo a ser seguido mundo afora.

Mas ainda estamos presos na teia burocrática. A expectativa é que o Brasil tenha de esperar até 20 de janeiro, se tudo correr bem, para dar início à vacinação. Vista a urgência envolvida, esse prazo parece uma eternidade. Enquanto isso, nosso vizinho, a Argentina, já começou. Se a burocracia kafkiana der espaço para que a iniciativa privada aja, teremos no Brasil um processo de vacinação eficiente e célere – e como os números da Covid-19 mostram, não podemos esperar.

*Claudio L. Lottenberg* é mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), presidente do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

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