Mega sedes em mini cidades
Apple, Google e Amazon encomendaram a arquitetos premiados mega projetos para as suas novas sedes. Mais do que valorizar a arquitetura, esses edifícios indicam o esforço dessas companhias em tornar as pequenas cidades em que estão baseadas interessantes aos olhos dos jovens que compõem a sua preciosa mão de obra e que ultimamente tem preferido se estabelecer em outras […]
Apple, Google e Amazon encomendaram a arquitetos premiados mega projetos para as suas novas sedes. Mais do que valorizar a arquitetura, esses edifícios indicam o esforço dessas companhias em tornar as pequenas cidades em que estão baseadas interessantes aos olhos dos jovens que compõem a sua preciosa mão de obra e que ultimamente tem preferido se estabelecer em outras freguesias.
Cupertino, por exemplo, onde pousará o Apple Campus 2, é um dos municípios do Condado de Santa Clara, parte do Vale do Silício, região da Califórnia onde estão as empresas do setor. Sua população, de 58 000 habitantes, é equiparável à de Penápolis, a 480 quilômetros da capital paulista. Seria mais uma cidade interiorana, não fosse pelo poderoso ativo de ter a Apple em seu território.
O mesmo enredo se repete com Mountain View, que abriga o Google e tem o tamanho de Arujá (74 000 habitantes), ou Menlo Park, onde está o Facebook e que é equiparável a Cravinhos (32 000 habitantes). Todos esses municípios oferecem enormes bolsões de estacionamento para os funcionários das empresas e linhas de ônibus para transportá-los.
A origem do Vale do Silício, porém, é bem diferente da de Detroit. Ele surgiu em torno de uma universidade, Stanford, onde se graduaram líderes como os fundadores do Google. Isso, somado ao foco em tecnologia, faz com que a região atraia constantemente gente jovem e de boa formação.
O dilema que ocorre agora tem a ver com o estilo de vida da geração do milênio, nascida entre 1980 e 1990, que compõe a maior parte da força de trabalho da região. Estudiosos como o crítico de arquitetura Paul Goldberger dizem que, ao contrário de seus pais, que almejavam uma casa num subúrbio pacato, esses jovens têm predileção pelo cotidiano frenético (e também mais divertido) das metrópoles, mesmo quando já iniciaram a própria família.
Isso explica por que São Francisco, a cerca de uma hora de distância de diversos pequenos municípios do Vale do Silício, se tornou o local de residência mais disputado pelos promissores talentos da tecnologia. Sua vida cultural fervilhante permite uma rotina bem mais animada do que nas cidadezinhas do Vale, ainda que o preço a pagar por ela seja alto.
O aluguel médio de um apartamento de dois dormitórios em São Francisco está em 3250 dólares, e a média das casas à venda alcança 850000 dólares, o que faz da cidade uma das mais caras do país. Ainda assim, a exemplo da juventude americana, empresas de mídia social como Twitter e Pinterest preferiram fincar raízes em São Francisco a optar por um município menor no Vale do Silício.
Criado em 2006, o Twitter anunciou planos de expansão em 2011, abastecendo boatos de que migraria para outra cidade e seguiria o mesmo script das outras, com um convite para que um arquiteto renomado desenhasse a nova sede. Em vez disso, a empresa decidiu não apenas ficar em São Francisco como ocupar um pedaço degradado, recebendo isenção de impostos como contrapartida.
Escolheu um edifício construído em 1937 na Market Street, a alguns quarteirões da prefeitura, para onde se mudou em junho de 2012, junto com dezesseis empresas. De lá para cá, o entorno sofreu um intenso processo de valorização, com uma série de novos empreendimentos e reformas.
A geração do milênio não vê glamour em dirigir o próprio carro — pelo contrário, enxerga no automóvel um vilão ambiental. Por causa disso, confortáveis ônibus com wi-fi a serviço das companhias transportam diariamente os funcionários das vilas corporativas para São Francisco.
Por mais modernas que se tornem as sedes da Apple e do Facebook, elas continuarão dependendo de rodovias e de enormes estacionamentos, problemas que Amazon e Twitter, por estarem em grandes centros, não têm. Cerca de 15% dos funcionários do Twitter vão para o trabalho de bicicleta.
Texto adaptado de reportagem minha publicada na edição impressa de VEJA de 1º de janeiro de 2014 e que pode ser lida na íntegra no blog do Ricardo Setti