Documentário sobre Minhocão questiona como manter moradores de baixa renda em regiões revigoradas
O uso do elevado para lazer encarece imóveis que sempre foram baratos, barulhentos e empoeirados. Mas manter as más condições também não resolveria o problema

Até que ponto melhorar uma área degradada é bom para seus moradores? Sempre, podem pensar muitos leitores. Mas esta não é uma resposta unânime. Grandes cidades que passaram pela experiência de ter bairros revitalizados tiveram de lidar com uma situação bastante complexa: a gentrificação.
A gentrificação acontece quando um local se torna melhor do que era, e o valor de seus imóveis aumenta. Com isso, as residências se tornam inacessíveis para a população que sempre viveu ali. Sempre viveu, mas, dada a melhora da região, não consegue arcar com o novo custo de vida. O resultado é que essas pessoas acabam migrando para lugares piores, que tenham condição de bancar.
Em São Paulo, a gentrificação virou assunto a partir da ideia do Parque Minhocão, iniciativa para usar como área de lazer um viaduto que corta o centro da capital. Para debater a questão, os estudantes Ingrid Mabelle, Caroline Carvalho e Fabio Santana e o operador de câmera Fernando Zamora fizeram o documentário Ponto de Vista (abaixo).
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O filme mostra diferentes perspectivas sobre os efeitos da melhoria do Minhocão, com entrevistas com o prefeito Fernando Haddad, secretários municipais, vereadores, moradores de edifícios vizinhos ao elevado e pessoas que usam o local para lazer. A pesquisa levou um ano e meio e é parte de um trabalho de conclusão do curso de jornalismo da Unifieo, de Osaco, na Grande São Paulo.
“Percebemos que poucas pessoas sabem e discutem a gentrificação, que é um assunto novo. Então, além de discutir o fenômeno, o filme é uma maneira de torná-lo público”, diz Ingrid Mabelle, uma das autoras.
Por causa da proximidade dos prédios residenciais, cujas janelas chegam a estar apenas três metros distantes da via expressa, o elevado tem horário de funcionamento. Carros são proibidos de circular por ali nos finais de semana e à noite — horários em que o asfalto é tomado por ciclistas, pessoas passeando com seus cachorros, praticantes de yoga, crianças e artistas.

O parque High Line (à dir.), construído em uma linha férrea suspensa desativada
Parte dos ativistas defende transformar o elevado em parque permanente e desativar de uma vez por todas a via expressa. Em Nova York, situação semelhante — uma linha férra suspensa abandonada — originou um dos projetos urbanísticos mais interessantes dos últimos anos, o parque High Line. Ganhar vista para um parque fez os imóveis vizinhos se valorizarem, e pessoas de baixa renda que moravam ali tiveram de se mudar. O fenômeno tende a se repetir no elevado da capital paulista, e quem sempre conviveu com barulho e poeira dos automóveis pagando alugueis baratos terá de procurar outro endereço. É possível evitar que isso aconteça? E, se não for, essas pessoas devem continuar suportando milhares de carros passando rentes às suas janelas?
É bom lembrar que quando o Minhocão foi implantado, nos anos 1970, o efeito que causou foi o de uma gentrificação às avessas, iniciando um triste processo de degradação da região. Qualquer intervenção que se faça, seja ampliar o uso recreativo ou desmontar/implodir a estutura, como defendem alguns, fará com que o preço dos imóveis locais aumente.
Há uma corrente crítica à gentrificação que afirma que ter vizinhos ricos torna a vida dos pobres mais difícil. Estudos apontam que, em alguns casos, a chegada de vizinhos com renda maior aumenta a renda média geral. Além disso, ter vizinhos pobres também não melhora a vida dos pobres, pelo contrário. Infelizmente, é isso o que acontece na maioria dos casos.
Nas palavras do especialista em economia urbana Joe Cortright, há um impulso que beira o segregacionismo. “As pessoas ricas devem viver com pessoas ricas e pobres devem viver com os outros pobres. Qualquer coisa que mude esse status é suspeito. Quando pessoas ricas se mudam para bairros pobres, dá se o nome de gentrificação. Quando pessoas pobres se mudam para bairros ricos, dá-se o nome de engenharia social. É difícil imaginar que fazer enquadramentos desse tipo crie um mundo com menos segregação econômica.”
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Por Mariana Barros
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