CBD: o princípio-ativo da polêmica na ‘Cannabis’ medicinal
Enquanto indústria e ativistas discordam sobre os caminhos da regulamentação, as autoridades se movimentam para restringir as opções dos pacientes


O debate sobre a regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil já tem um herói, o canabidiol (CBD), e um vilão, o canabidiol (CBD). Como assim? É complicado mesmo, como tudo o que envolve a mudança de status de uma planta que passou os últimos oitenta anos na ilegalidade na maior parte do mundo. O assunto foi tema do post do último dia 19, que tratava da rejeição dos militantes pró-legalização a uma campanha da indústria cujo mote é “CBD não é maconha”. Para os ativistas, a declaração, além de incorreta, reforça o preconceito sobre a erva ao valorizar somente um de seus princípios-ativos. Do outro lado, os idealizadores do movimento, batizado CBD Legal, defendem que a iniciativa é uma “estratégia de marketing”, criada para justamente reduzir a resistência da sociedade à Cannabis medicinal. Mas, afinal, quem está certo? Como exposto no começo do texto, depende do ponto-de-vista e do tipo de mercado que se pretende construir no país.
A polêmica esquentou nesta semana, depois que o Ministério da Saúde recomendou à Anvisa que conceda registro apenas para o CBD e somente para medicamentos indicados para tratar quadros de epilepsia refratária. Ou seja, além de restringir consideravelmente as possibilidades terapêuticas da Cannabis, o ministério parece ter abraçado a tese de que só o CBD teria aplicações medicinais, o que é sabidamente falso. A manifestação enviesada obedece à lógica proibicionista do governo federal, vocalizada principalmente pelo ministro Osmar Terra (Cidadania). Ao que tudo indica, os temores dos ativistas não eram infundados. Mas, afinal de contas, o que é o CBD e qual a sua utilidade para a medicina?
O canabidiol é um dos mais de 100 canabinoides extraídos da erva. Recentemente vem ganhando popularidade porque, ao contrário de seu parente THC (tetra-hidro-canabinol), não tem efeitos psicoativos, isto é, não dá “barato”. O CBD foi isolado pela primeira vez em 1940, mas foi somente em 1946 que o cientista israelense Raphael Mechoulam, considerado o pai da medicina canabinoide, identificou na molécula o potencial para tratar crises de epilepsia. Atualmente, vem sendo prescrito para outras doenças, como condições ligadas ao espectro autista, ansiedade, transtorno do estresse pós-traumático e insônia, entre outros. Para os idealizadores da campanha CBD Legal, o composto deveria ser considerado um “produto natural de livre consumo e fácil acesso”, como um suplemento alimentar. Nos Estados Unidos, há uma verdadeira febre do CBD, com o produto sendo adicionado a alimentos e bebidas em cafés e restaurantes associados a um estilo de vida mais saudável. Ponto para a indústria.
Segundo dados da consultoria BDS Analytics, as vendas de produtos com CBD já representam 10% da receita dos dispensários, como são conhecidas as lojas especializadas em cannabis nos EUA. O canabidiol pode ser encontrado em formulações inaláveis, em cremes e pomadas e em comestíveis, como balas, doces e chocolates. Com o interesse crescente dos consumidores e mudanças nas legislações locais e estaduais, a BDS estima que o mercado americano de CBD chegará aos 20 bilhões de dólares em vendas em 2024, mais de dez vezes o valor registrado em 2018 (US$ 1,9 bilhão).
Por aqui, não há razão para otimismo, seja do ponto de vista de pacientes e médicos, da indústria ou dos ativistas. Enquanto os principais interessados discordam a respeito da melhor abordagem para a regulamentação da Cannabis, as autoridades já demonstraram que vão colocar a ideologia na frente da ciência. E do dinheiro.