Califórnia: os dilemas da ‘melhor maconha do mundo’
Regulamentação altamente restritiva e custos elevados mantêm o mercado ilegal aquecido no Estado americano

No dia 1º de janeiro de 2018, consumidores adultos da Califórnia ganharam o direito de ter acesso à Cannabis legal graças à decisão dos eleitores tomada em 2016. Ativistas, estudiosos, políticos e a comunidade científica passaram a acompanhar de perto o maior mercado de maconha legalizada do mundo. Para os mais otimistas, a liberação da planta na Califórnia seria o ponto de inflexão que levaria o mundo inteiro a perceber a ineficiência da guerra às drogas e, em última análise, decretaria o seu fim. Não foi o que aconteceu, pelo menos por enquanto.
Os californianos são tão conhecidos por sua liberalidade quanto pelo zelo com que cuidam do que consomem. Boa parte das dietas da moda e das tendências de alimentação saudável nasceu na Califórnia. Seus habitantes se preocupam com a origem dos alimentos, os métodos de cultivo, a proteção aos direitos dos animais, a sustentabilidade da cadeia, o uso consciente dos recursos naturais, as pegadas de carbono etc. Com a Cannabis não é diferente. Lembrei de uma discussão que acompanhei entre representantes do órgão regulador (California Bureau of Cannabis Control) e empresários em 2017, quando as regras ainda estavam sendo elaboradas e submetidas à consulta pública. Na ocasião, alguém disse: “Se aprovarem tudo o que está sendo proposto, nós teremos, de longe, a melhor maconha do mundo”.
A constatação diz respeito não apenas à qualidade do produto, potência, indicação terapêutica, perfil de canabinoides e terpenos (voláteis que dão o aroma característico da erva) mas também às diversas exigências de segurança, que incluem testes laboratoriais para detectar a presença de agrotóxicos, metais pesados, fungos, microrganismos e outras impurezas. Pelos níveis de tolerância propostos pelas autoridades, baixíssimos, realmente a Califórnia estava caminhando para colocar no mercado a “melhor maconha do mundo”. Tão pura que seria praticamente impossível cultivá-la e mantê-la dentro dos padrões, sem falar no investimento necessário para garantir a adequação às regras.
Como não existe almoço grátis, os custos são repassados aos consumidores, fazendo com que a erva legal seja muito mais cara do que a encontrada no mercado negro. Assim, os traficantes continuam operando normalmente: segundo estimativas da BDS Analytics, 78% de toda a Cannabis comercializada na Califórnia em 2018 era ilegal. O mercado ilícito movimenta cerca de 70 bilhões de dólares anualmente nos Estados Unidos, sete vezes mais do que o legal, segundo números da New Frontier Data.
Com todo mundo prestando atenção, como mencionei no começo do post, os aprendizados começam a aparecer. A principal conclusão é que as regras não podem ser tão frouxas que ponham em risco os consumidores e nem tão rígidas que afugentem os empreendedores e os empurrem de volta à ilegalidade. Quando as autoridades erram a mão, os resultados são desastrosos, como mostra a reportagem a seguir (em inglês):
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Por fim, repito o que me disse certa vez um amigo americano, há décadas no ramo: “Esses caras passaram os últimos 30, 40 anos, fugindo da polícia e ludibriando as autoridades. Você realmente acredita que, da noite pro dia, eles vão passar a fazer tudo dentro da lei?”.
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