Namorados: Assine Digital Completo por 1,99
Imagem Blog

Caçador de Mitos

Por Leandro Narloch Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Uma visão politicamente incorreta da história, ciência e economia

Há um erro grave no Enem deste ano – mas ele não tem nada a ver com feminismo

Nem mesmo economistas de esquerda concordariam com a resposta da questão sobre globalização e desemprego

Por Leandro Narloch
Atualizado em 31 jul 2020, 00h14 - Publicado em 26 out 2015, 10h04

Muita gente reclamou da dose de feminismo do Enem de 2015. Não costumo concordar com a maioria das feministas, mas nesse caso não vi nada errado. O tema da redação foi violência doméstica – não é preciso ser feminista para reconhecer a relevância desse problema. Além da redação, uma questão reproduzia o seguinte trecho de Simone de Beauvoir:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada…

Os alunos não precisavam concordar com a frase, apenas assinalar qual movimento a ideia acima inspirou nos anos 1960 (resposta certa: “igualdade de gênero”; fácil). Dando um desconto para a primeira frase (é claro que várias pessoas nascem mulheres) e à definição de mulher como um “macho castrado” (se eu usasse essa definição me chamariam de machista, misógino e opressor), o trecho de Simone de Beauvoir não é de todo ruim. Mesmo o mais adepto da evolução natural como forma de explicar o comportamento humano há de concordar que a biologia escreve parte do livro – que é completado pela cultura e pelas relações sociais.

O problema do Enem não foi o toque de feminismo, mas o habitual anticapitalismo. Uma questão, inspirada no geógrafo Milton Santos, está evidentemente errada. Deveria render processos de estudantes pedindo sua anulação. É esta:

 

No final do século XX e em razão dos avanços da ciência, produziu-se um sistema presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença planetária. Um mercado que utiliza esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa.

Continua após a publicidade

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2008 (adaptado).

Uma consequência para o setor produtivo e outra para o mundo do trabalho advindas das transformações citadas no texto estão presentes, respectivamente, em:

a) Eliminação das vantagens locacionais e ampliação da legislação laboral.

b) Limitação dos fluxos logísticos e fortalecimento de associações sindicais.

Continua após a publicidade

c) Diminuição dos investimentos industriais e desvalorização dos postos qualificados.

d) Concentração das áreas manufatureiras e redução da jornada semanal.

e) Automatização dos processos fabris e aumento dos níveis de desemprego.

 

A resposta E, a correta segundo o Enem, é risível. Não, globalização não provoca desemprego – provoca prosperidade. A autossuficiência, como David Ricardo mostrou há quase 200 anos, é a receita mais testada e comprovada para a pobreza. Leva pessoas e países a gastar tempo demais em atividades que não dominam tão bem. A vida é mais fácil se cada um se especializar no que faz melhor (ou com menor custo de oportunidade) e depois trocar o resultado. Paul Krugman, um dos economistas preferidos pela turma da esquerda, tem um excelente texto sobre isso.

Continua após a publicidade

O comércio internacional pode provocar um remanejamento do trabalho – mas para atividades mais produtivas. Se algum dia existiram vinícolas na Escócia, elas foram à falência quando vinhos franceses apareceram por lá. Milton Santos diria que o desemprego nas vinícolas escocesas foi provocado pela globalização. Prefiro acreditar que os escoceses perceberam ser mais fácil deixar com os franceses a produção de vinho e se dedicar a algo que eles dominavam melhor – o whisky.

As últimas décadas têm provas gigantescas dos benefícios da globalização e do perigo da autossuficiência. Países da América Latina, da Ásia e da África que se fecharam ao comércio internacional empobreceram terrivelmente. Ao contrário, aqueles que se globalizaram estão entre os mais ricos do mundo.

A Índia, inspirada nas ideias de Gandhi, que insistia em fabricar as próprias roupas e queimar produtos ingleses, achou que poderia se virar com grandes indústrias estatais. Conseguiu ficar ainda mais pobre que quando era colônia britânica. Cingapura, Hong Kong e Coreia do Sul fizeram o contrário: se abriram para o mundo. Nos anos 1960, tinham renda per capita similar à dos indianos. Hoje olha só para eles. São os países mais ricos – e globalizados – do mundo.

O Brasil também é um exemplo. Desde 2011 o governo Dilma impõe barreiras de importação, exige cotas de produtos nacionais e faz cara feia a acordos internacionais de livre comércio. Tudo para “preservar empregos ameaçados pela globalização”. Não há notícia de que tenha dado certo. Pelo contrário, o desemprego só aumenta. O protecionismo tirou o Brasil de cadeias globais de produção e evitou que muitas vagas fossem criadas por aqui.

Continua após a publicidade

@lnarloch

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 1,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai a partir de R$ 7,48)
A partir de 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a R$ 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.