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Balanço Social

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Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil

Para alcançar os mais pobres, país tem investido em busca ativa

A estratégia, que começou a ser usada pelos movimentos de reforma sanitária e psiquiátrica no século 20, tem tido sucesso também em áreas como educação

Por Andréia Peres 17 set 2024, 09h00

“Se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai até a montanha”, diz um antigo ditado popular. Essa é a ideia básica das políticas de busca ativa: inverter o sentido da rota. Se o cidadão não vai até o Estado, o Estado vai até ele. A busca ativa é uma estratégia capaz de alcançar pessoas que vivem em situação de grande vulnerabilidade, sem acesso aos seus direitos e aos serviços públicos.

A proposta não é nova, mas funciona. Na educação, por exemplo, a busca ativa tem tido resultados importantes e está, inclusive, prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) como uma das estratégias para a universalização da educação dos 4 aos 17 anos.

Nas duas últimas décadas, diversas iniciativas bem-sucedidas de busca ativa no campo da educação foram realizadas em diferentes regiões do Brasil. “Em todos os casos, a atuação intersetorial foi fundamental para alcançar as crianças e os adolescentes excluídos, enfrentar as causas da exclusão e garantir o seu acesso e a sua permanência na escola”, esclarece a publicação Contexto geral da busca ativa no Brasil (Unicef, 2022).

Não existe uma única maneira ou ferramenta para realizar a busca ativa. De acordo com a publicação, ela pode envolver mutirões, campanhas, palestras, atividades socioeducativas, cruzamento de bases de dados e visitas domiciliares de agentes de diferentes órgãos públicos.

Consagrada, a busca ativa também começou a ser usada recentemente para garantir o direito das crianças à imunização e também no enfrentamento à fome.

BUSCA ATIVA ESCOLAR

Um dos exemplos de maior sucesso que conheço é a Busca Ativa Escolar (BAE), uma estratégia disponibilizada gratuitamente para estados e municípios para evitar e enfrentar o abandono e a evasão escolar. Criada em 2017, a BAE foi desenvolvida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

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Composta por uma metodologia social e uma plataforma tecnológica, a estratégia conta com a participação intersetorial de outras políticas públicas para garantir a inclusão escolar, a permanência e a aprendizagem de meninas e meninos.

Segundo avaliação recente feita pelo Unicef, a BAE contribuiu para evitar o abandono escolar de 62 mil estudantes do ensino fundamental, entre 2017 e 2019. Ainda de acordo com a avaliação, que leva em consideração os dados da plataforma da Busca Ativa Escolar e do Censo Escolar nesse período, os municípios que implementaram a estratégia conseguiram reduzir as taxas de abandono e evasão entre 12% e 16,7% para os anos iniciais do ensino fundamental e de 3,7% a 10,9% para os anos finais.  O maior impacto se deu entre os municípios que aderiram há mais tempo à estratégia, os que possuem menores PIB per capita e aqueles com menor número de habitantes.

De 2017 a 1º de agosto de 2023, mais de 400 mil casos foram registrados pela BAE e 193.411 crianças e adolescentes foram (re)matriculados na escola nos 3.515 municípios e 22 estados que aderiram à estratégia.

Para além dos números, há muitas histórias inspiradoras. Casos como o de Yasmin que, com 5 anos, vivia na zonal rural do município de Euclides da Cunha (BA), e a mãe, por falta de informação, não pensava em matriculá-la na escola. Ou de Douglas, um adolescente com autismo, de 16 anos, que perdeu a vaga na escola que estudava, na periferia de Fortaleza (CE), após um grande número de faltas.

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Graças ao trabalho da BAE em suas localidades, Yasmin teve a oportunidade de ingressar na escola e Douglas de voltar a estudar. Em agosto de 2023, Yasmin estava no 3º ano do ensino fundamental e não faltava um dia sequer às aulas. Já Douglas foi matriculado na Educação de Jovens e Adultos (EJA), em fevereiro de 2020, depois de cinco meses fora da escola.

ESTRATÉGIA VAI ALÉM DA EDUCAÇÃO

Na área da saúde, uma estratégia que vem contribuindo para a retomada da vacinação em municípios da Amazônia e do Semiárido é a Busca Ativa Vacinal (BAV), do Unicef. Como a BAE, a estratégia, lançada em dezembro de 2022, também usa uma metodologia social e uma ferramenta tecnológica inovadora, disponibilizadas gratuitamente para os municípios, e incentiva a participação de diferentes áreas (educação, assistência social, entre outras) para encontrar crianças menores de 5 anos com atraso vacinal ou não vacinadas e garantir a imunização delas.

Em entrevista exclusiva à coluna, Lilian dos Santos Rahal, secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, mencionou um novo uso da busca ativa. Desta vez, no enfrentamento à fome.

Recente, a estratégia vem sendo chamada de Protocolo Brasil Sem Fome e articula o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas) com ações de segurança alimentar para identificação e encaminhamento de pessoas em situação de insegurança alimentar ou de risco de insegurança alimentar.

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“A saúde desenvolveu um método de identificação de pessoas nessa situação. São duas perguntas que são feitas no atendimento da saúde básica que entram no prontuário da pessoa”, conta. “Detectado o risco ou a insegurança alimentar, o caso é encaminhado para que a assistência social verifique, por exemplo, se a família está ou não no Cadastro Único (CadÚnico).”

O DIREITO A TER DIREITOS

“Tem gente que chega na saúde em situação de desnutrição ou de insegurança alimentar que não está sequer no Cadastro, que é bem simples de fazer”, relata a secretária. Segundo ela, o esforço que vem sendo feito é no sentido de integrar ações mais permanentes para acabar com a fome, identificando pessoas nessa situação e levando até elas políticas de proteção social e acesso à alimentação.

Ouvi certa vez numa palestra que um dos aspectos mais cruéis da pobreza é a falta de conhecimento das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade do seu direito a ter direitos. Seja na educação, seja na saúde ou no combate à fome, a busca ativa não só corrige essa distorção como organiza uma rede toda para assegurá-los. Uma mudança importante de paradigma nas políticas públicas que já está fazendo a diferença na vida de milhares de pessoas.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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