Cidades brasileiras não levam em conta idosos e cadeirantes
Dois em cada três brasileiros moram em vias sem rampa para cadeirantes e menos de 20% das pessoas vive em vias livres de obstáculos, diz pesquisa

Os dados da pesquisa Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, realizada pelo IBGE, com base no Censo Demográfico de 2022, mostram com números o que minha mãe, de 86 anos, cadeirante e com baixa visão, sente todos os dias, na prática: as cidades não acolhem idosos e pessoas com deficiência. “Rezo todos os dias para não cair em um desses buracos”, ela me disse outro dia, quando tivemos que, mais uma vez, desviar de uma cratera.
Minha mãe tem a sorte de morar num bairro nobre de São Paulo. Mesmo assim, faltam rampas e sobram buracos para todos os lados. Andar numa cadeira de rodas no Brasil é uma aventura. Na periferia e em estados do Norte e do Nordeste, a situação é ainda pior. Não deveria ser assim.
Segundo os dados da pesquisa do IBGE, das 174,2 milhões de pessoas residentes em áreas com características urbanas no Brasil, duas em cada três (68,8%) moram em vias sem rampa para cadeirantes, apesar de a obrigatoriedade da acessibilidade estar prevista em lei há quase 25 anos.
Em 1.864 municípios (33% do total), menos de 5% da população vive em ruas com rampas. O menor percentual é no Amazonas (5,6%), seguido de Pernambuco (6,2%) e Maranhão (6,4%).
Menos da metade (47,2%) dos estabelecimentos de saúde tem rampa para cadeirante. Situação que é ainda pior em estabelecimentos de ensino. Nem um terço deles (31,8%) apresenta rampa nas calçadas.
Calçadas livres de obstáculos são ainda mais raras. Quem anda de cadeira de rodas ou com carrinho de bebê sabe muito bem disso. Só 19% da população que vive em áreas com calçadas reside em vias livres de obstáculos. Em todo o país, apenas 238 municípios apresentaram mais da metade da população morando em ruas com calçadas livres. Os menores percentuais estão nos estados do Maranhão (4,7%), Piauí (4,9%) e Acre (5,6%).
Os problemas são diversos: quando por sorte não há buracos, há postes, lixeiras ou outros elementos mal colocados. Às vezes, há erros de engenharia, colocando rampas e inclinações impossíveis de serem transpostas por pessoas com mobilidade reduzida. Isso sem falar de carros sobre as calçadas e uma indevida “privatização” do espaço público, com mesas de bares ou vendedores ambulantes tomando o espaço do pedestre.
O Brasil não é mais um país jovem. Segundo dados apresentados pela pesquisadora Ana Amélia Camarano, em seminário realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no início de abril, houve uma transformação radical no perfil demográfico do país nas últimas décadas. Em 1940, a expectativa de vida era de apenas 44 anos e os idosos representavam 4,1% da população. Atualmente, vivemos em média 74 anos, e os maiores de 60 anos já são quase 16% dos brasileiros. Uma fatia grande demais da população que não pode e não deve ser desconsiderada nas políticas públicas.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.