Causa e efeito da pobreza, trabalho infantil aumentou no país
Praticamente um quarto dos meninos e meninas que trabalham tem de 5 a 13 anos, faixa etária em que o trabalho infantil mais tinha regredido
“O que você quer ser quando crescer?”, perguntei uma vez a um garoto de 6 anos que quebrava pedra na região do sisal na Bahia. “Menino”, ele me respondeu. Sem se dar conta de que ainda era uma criança, ele sonhava resgatar no futuro a infância que não tinha.
Causa e efeito da pobreza, o trabalho infantil, que vinha caindo desde 2016, voltou a crescer entre 2019 e 2022. Um aumento visível aos nossos olhos e que já aparece nas estatísticas.
Em 2022, o Brasil tinha 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos de idade nessa situação, o que representa 4,9% da população brasileira nessa faixa etária, segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE, divulgados em dezembro de 2023. O crescimento foi de 7% em relação a 2019, antes da pandemia. Em termos quantitativos, o número de meninas e meninos em situação de trabalho infantil é superior ao da população total de grandes cidades como Curitiba ou Recife.
“Uma fórmula de diversas variáveis teve impacto nos índices de trabalho infantil”, diz em entrevista a esta coluna Antonio Carlos de Mello Rosa, presidente interino do Instituto Nacional para a Erradicação do Trabalho Infantil, onde atua como voluntário, e membro do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
Fórmula que, segundo ele, inclui variáveis como a pandemia de Covid-19, apologia ao trabalho infantil por autoridades e uma política de negação de direitos. “O afastamento das crianças e dos adolescentes da escola e o aumento do desemprego também coincidiram com esse momento político, em que houve uma desmobilização de políticas públicas para as pessoas mais vulnerabilizadas”, avalia.
Chama a atenção, ainda, o alto percentual de crianças pequenas em situação de trabalho infantil: praticamente um quarto (23,9%) dos meninos e meninas que trabalham tem entre 5 e 13 anos, uma faixa etária em que, até pouco tempo, o trabalho infantil estava praticamente erradicado.
Boa parte dessas crianças está em atividades agrícolas, um setor em que a maioria das atividades está na Lista de Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). “Da massa total de trabalhadores, 22,8% estão nesse setor. Nessa faixa etária, o índice é de 36%, um número proporcionalmente muito maior”, calcula Antonio Rosa. Segundo ele, é preciso formular políticas públicas para o campo com foco nessa população.
Antonio lembra que o trabalho infantil é a porta de entrada para o trabalho escravo. “Adultos resgatados do trabalho escravo, em geral, relatam terem trabalhado desde a infância”, diz. Também é o que ele define como “negador de sonho e de dignidade”. “Perguntei para um adolescente resgatado do trabalho escravo qual era o seu sonho. Ele disse que não tinha sonhos. Trabalhava para comer e dar de comer a sua família”, conta.
O trabalho infantil afasta crianças e adolescentes da escola, contribuindo para o ciclo intergeracional da pobreza. Em 2022, 12,1% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil estavam foram da escola. No grupo de 16 a 17 anos, o percentual era de 20,5%.
Apesar desse cenário sombrio, a perspectiva para o futuro é otimista. Historicamente, a diminuição do trabalho infantil, especialmente nessa faixa etária de 5 a 13 anos, veio ancorada em programas de combate à pobreza. “Com a retomada desses programas, temos a expectativa e a esperança de que haja uma queda”, avalia Antonio. Tomara que as próximas pesquisas deem razão a ele.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.