Brasil não aprendeu com as tragédias climáticas recentes
Um ano depois do desastre do Rio Grande do Sul, 32,4% dos municípios do país não têm nenhuma solução de drenagem e manejo de águas pluviais, diz estudo

Com chuvas fortes cada vez mais frequentes e sem um sistema de drenagem adequado, estamos condenados a repetir as mesmas tragédias que se sucedem há pelo menos três décadas.
De 1991 a 2023, 3.464 pessoas morreram devido a mais de 25 mil eventos hidrológicos extremos, como chuvas intensas, enchentes e outros, que, somados, causaram prejuízos superiores a R$ 151 bilhões.
As informações são de um estudo divulgado em abril pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a consultoria GO Associados. “A recorrência desses desastres expõe a fragilidade da infraestrutura urbana”, aponta o relatório. Segundo o estudo, a magnitude desses eventos e suas consequências para a população poderiam ser significativamente reduzidas caso o Brasil adotasse políticas mais eficazes de planejamento e execução de sistemas de drenagem e manejo de águas pluviais.
“Não investir no tema é condenar milhões de brasileiros a uma vida de incertezas. E como vamos evoluir se 94,7% dos municípios do país não contam sequer com um Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais?”, questiona Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
TRAGÉDIAS ANUNCIADAS
Apesar das evidências, nossos governantes parecem ainda não acreditar no impacto das mudanças climáticas. Outro relatório recente, intitulado Os direitos das crianças e dos adolescentes na pauta climática, publicado no final de abril pela Andi, aponta que das 27 capitais brasileiras, menos da metade (11) tinha um Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas, em maio de 2024. “Se essa realidade acontece nas capitais estaduais, embora não haja um levantamento específico, é de se imaginar que a grande maioria dos municípios de menor porte no país não conte com seu plano”, afirma o relatório.
De acordo com a publicação, a população mais vulnerável a riscos de desastres no Brasil é composta por famílias monoparentais, chefiadas por mulheres negras e com a presença de crianças.
Estima-se que 8,3 milhões de pessoas vivam em áreas identificadas como de risco no país. Quase um terço delas, 2,1 milhões, são crianças e adolescentes de até 14 anos de idade. Devido à singularidade de seu metabolismo, à sua fisiologia e às suas necessidades de desenvolvimento, crianças, especialmente as que estão na primeira infância, e adolescentes sofrem de maneira desproporcional as consequências das mudanças climáticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), crianças com menos de 5 anos respondem por um total de 88% das doenças associadas às mudanças climáticas, o que torna a falta de ação e de respostas ainda mais cruel.
Não há dúvidas de que a crise gerada pelas alterações do clima vai além de uma questão ambiental. É um problema social, econômico e político, com efeitos que atingem de forma desigual diferentes populações.
O Banco Mundial estima que aproximadamente 1 em cada 5 pessoas no mundo provavelmente enfrentará um evento climático extremo ao longo da vida, do qual terá dificuldade para se recuperar financeiramente. “As mudanças climáticas representam um risco para a redução da pobreza e da desigualdade a longo prazo”, aponta a publicação da Andi.
Em todo o mundo, mais de 2 bilhões de crianças e adolescentes estão expostos a mais de um risco, choque ou estresse climático/ambiental. No caso do Brasil, há mais de 40 milhões de crianças e adolescentes, quase 60% dessa parcela da população, nessa situação. Um número grande demais para ser ignorado.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos