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Augusto Nunes

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Valentina de Botas: Na calada da noite

A espantosa chantagem de Dalagnol ao presidente da república com uma ameaça de renúncia me faz pensar no procurador como uma espécie de Jânio Quadros do MP

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h11 - Publicado em 3 dez 2016, 17h53

A massa dos pãezinhos de cenoura está descansando. Nesta sexta-feira, acabam as aulas da minha filha, ela termina o fundamental 2 e cursará o ensino médio em 2017. Haverá um piquenique para encerrar o ano e ela foi intimada a levar uns pãezinhos de cenoura que costumo fazer e os colegas que já experimentaram adoram. Nesta quinta, enquanto a massa descansava, fui ao site da Câmara para ler o projeto aprovado na calada noite preta.

A turma fez uma viagem de despedida em agosto, minha filha não foi porque a brincadeira era cara para nós, mas sem dramas, pois ela compreende que vivemos nos limites do que podemos. Também por isso foi fácil fazê-la entender a necessidade da PEC do teto. Só consigo mantê-la nesse colégio que ela ama porque, excelente aluna, tem bolsa quase integral garantida pela média entre 9,5 e 10. Não quero dar a impressão de que sou uma mãe coruja: eu sou uma mãe coruja; minha filha arruma o quarto a cada, sei lá, 8 meses, mas é toda linda e protege meu coração da aridez. Não pude pagar a viagem e nem sofremos por isso, imagine, também não sou daquelas mães que fazem-tudo-o-que-podem, faço o que acho certo e pãezinhos de cenoura são a coisa certa.

O projeto de lei aprovado na Câmara na tal calada noite preta tem 32 páginas com 67 artigos, e há outras 60 páginas dispensáveis. Eu li. Estava decidida a não ir à manifestação do dia 4 e, depois de ler o texto da lei, continuo decidida a não ir à manifestação. Este comentário é só um registro da minha opinião, gostaria de ressalvar, não pretendo disciplinar a manifestação, imagine. No máximo, sugiro a leitura do projeto de lei, a gente termina de ler antes que a massa dos pãezinhos esteja pronta para ir ao forno. O texto aprovado poderia ser melhor, mas não vejo nele o fim do mundo anunciado para e pela Lava Jato.

Sim, o obscuro Weverton Rocha (PDT-RO) emplacou a responsabilização de juízes e membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade e “atuação com motivação político-partidária”. Não há como aceitar que autoridades abusem da autoridade e atuem com motivação político-partidária, não é mesmo? Basta lembrar o abuso de autoridade e a atuação político-partidária de Eugênio Aragão, o último ministro da justiça de Dilma, que ameaçava Deus e o mundo se sentisse “cheiro de vazamento” das delações. Não há o momento “certo” para uma lei contra essas coisas, um pouco de sensibilidade política, lucidez e serenidade acusariam que essa abordagem é inoportuna num momento de máxima crispação a partir de estímulo mínimo. Sensibilidade política, lucidez e serenidade: três sentidas ausências no debate em que o Ministério Público parece querer ser Legislativo, Executivo e Judiciário ao mesmo tempo sem deixar de ser MP. De todo modo, como está, os especialistas dizem que a coisa é anticonstitucional. Deve ser, então, mas é indiscutível que é inoportuna e inócua. Só levanta a fervura.

O Congresso por pior que seja e o MP por melhor que seja continuam tendo as respectivas funções delimitadas pelo estado de direito que ainda está em vigor. A somente um deles cabe legislar – mal ou bem, o Congresso. A espantosa chantagem de Dalagnol ao presidente da República com uma ameaça de renúncia me faz pensar no procurador como uma espécie de Jânio Quadros do MP. Esse voluntarismo messiânico levou a instituição a travar um braço de ferro com o Congresso que, dada a merecida má fama dos políticos, produziu uma crise artificial que agrava a crise real, cada minuto mais dramática.

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A prepotência do MP, com Dalagnol postado na Câmara para salvar a nação, como se os parlamentares fossem legítimos apenas se aprovassem tudo o que o procurador (ou a população de mais de 200 milhões de súbitos juristas) determinasse, provocou os piores instintos nos deputados, que responderam com Weverton. Uma sandice, uma desnecessidade. E o MP inflamou as ruas promovendo a desinformação alarmista misturada ao justo anseio nosso de colocar na cadeia os bandidos que infestam a política. Outra sandice, outra desnecessidade.

Parece que extremistas de esquerda marchando pelo “Fora, Temer”, os de extrema direita babando por intervenção militar, os franco-atiradores cobrando o sangue de todos os políticos e os moderados exigindo o fim do “AI-5 contra a Lava Jato” se encontrarão nas ruas neste 4 de dezembro. Eu não vou. O público me parece eclético demais e a motivação, inflada artificial e perigosamente. Ficarei torcendo para que corra tudo bem. Torcerei também para que o Senado rejeite o projeto integralmente, única chance de a coisa não bater à porta de Temer convidando-o a escolher entre ter o governo extinto pelo Congresso com o veto ou extingui-lo pelas ruas com a sanção. Ainda há governo, certo?

A um comentário em que registrei que não irei à manifestação, Augusto Nunes respondeu que irá porque quando “jucás, renans, sibás escolhem um lado”, ele escolhe outro e nunca se arrependeu. A referência ao contrário é sinal de decência, concordo, mas, hoje, me parece, o lado desse bando e congêneres é o da desestabilização a que a manifestação do dia 4 convida: os procuradores voluntaristas do MP nunca foram elogiados nos blogs-mortadela como são agora; a crise artificializada pela gritaria sem causa do MP abafou, no noticiário, a selvageria de terça-feira em Brasília com a depredação do MEC e o esfaqueamento de um policial por delinquentes amestrados da súcia petista que estão animadíssimos para domingo. Não sei, mas acho que a delicadeza de tudo exige serenidade que, talvez, se traduziria num recuo para continuarmos avançando.

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A Odebrecht acaba de assinar um acordo de leniência pelo qual pagará 2,5 bilhões de dólares, fora as multas; a empreiteira que pregava que a Lava Jato era um festival de invencionices teve de reconhecer num documento público, por força justamente das verdades que a megainvestigação revelou, a sua conduta mafiosa; seu dono, o empreiteiro mais rico do país está na cadeia; Lula está condenado a uma cova moral em cuja escuridão fria ainda zurra mentiras porque o cinismo dele calcificou-se aos ossos; meio mundo político será dizimado pela delação que a construtora assinou; Sérgio Moro, merecidamente, é a pessoa mais respeitada no país exausto e sofrido; o Brasil vive a oportunidade de encarar o fato de que escolhe miseravelmente mal seus representantes e não deve desperdiçar o momento histórico de se conciliar com o futuro – tudo isso sem as tais 10 medidas.

O país não precisava desse debate agora ou, então, que fosse conduzido com serenidade. Quem assistiu aos depoimentos de Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do TCU, nas sessões do impeachment no Senado, constatou que firmeza não precisa ceder à prepotência. Mesmo provado de modo doentio por Gleisi Hoffmann, a senadora cuja nome é um diagnóstico, Júlio Marcelo não foi além do que lhe cabia. Não duvido das boas intenções nem deixo de reconhecer o trabalho extraordinário que o MP vem fazendo na Lava Jato e tal. Ele integra a solução, não o problema. Mas quem nos salvará de um MP salvacionista? Preciso pôr os pães no forno.

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