Um ano depois, as famílias dos 18 militares mortos no Haiti recebem as indenizações
Bruno Abbud Há exatamente um ano, às 16h53 (19h53 no horário de Brasília) da terça feira 12 de janeiro de 2010, uma movimentação de placas tectônicas dez quilômetros abaixo da superfície e 20 quilômetros distante de Porto Príncipe, capital do Haiti, desencadeava um terremoto que devastou o país caribenho. Há exatamente um ano, 18 militares […]

Bruno Abbud
Há exatamente um ano, às 16h53 (19h53 no horário de Brasília) da terça feira 12 de janeiro de 2010, uma movimentação de placas tectônicas dez quilômetros abaixo da superfície e 20 quilômetros distante de Porto Príncipe, capital do Haiti, desencadeava um terremoto que devastou o país caribenho. Há exatamente um ano, 18 militares brasileiros que participavam da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti) ─ e outras 200 mil pessoas ─ morriam soterrados. Em 25 de janeiro de 2010, Lula prometeu R$ 500 mil, mais R$ 510 mensais para os filhos em idade escolar, às famílias dos militares mortos na catástrofe. O dinheiro demorou 11 meses e seis dias para começar a ser liberado.
A Coluna entrou na briga um mês antes. Em 1º de dezembro, a primeira reportagem da série mostrou a contradição entre os discursos de Lula e o real abandono das famílias dos heróis mortos. Dois dias depois, foi revelado o drama de Heloísa Camargos, viúva do subtenente (promovido a tenente depois de morto) Raniel Camargos, e de Ana Neckel, mãe do cabo Douglas Neckel. Também em 3 de dezembro, Cely Zanin, viúva do coronel João Elizeu Souza Zanin, contou o que sentiu depois de ler os relatos. Na semana seguinte, a quarta e última reportagem informou que os parlamentares da oposição ignoravam que as indenizações continuavam no papel e descreveu as reações tímidas de alguns deputados e senadores.
O anúncio das indenizações havia sido feito nove dias depois do terremoto, quando a Presidência da República enviou ao Congresso um projeto de lei determinando os pagamentos. Cinco meses depois, a promessa virou lei. Em agosto, no entanto, descobriu-se que não havia dinheiro para quitá-la. Lula enviou ao Congresso outro projeto de lei, desta vez pedindo uma abertura de crédito especial de R$ 10.119.340,00 em favor do Ministério da Defesa, responsável por pagar as indenizações. Só em 30 de dezembro de 2010 o projeto se transformou na lei 12.361/10, a quantia foi liberada e a promessa começou a ser cumprida.
Cely Zanin recebeu o dinheiro em 3 de janeiro. Contudo, ainda não sabe quando os dois filhos, de 17 e 18 anos, terão acesso à bolsa educação. Neste 12 de janeiro, o governo federal organizou uma homenagem aos 18 militares mortos há um ano. A solenidade acontecerá no Teatro Pedro Calmon, no Setor Militar Urbano, em Brasília. Nenhum familiar foi convidado.
No aniversário do terremoto, a Coluna publica o depoimento enviado pela viúva Heloísa Camargos em 17 de dezembro e comemora a promessa cumprida – mesmo com um ano de atraso.
Perdi meu esposo, o tenente Raniel Camargos, no horrível e trágico terremoto do Haiti, no dia 12 de janeiro de 2010. Era justamente o dia do aniversário de nossa filhinha, Giovanna. Meu marido organizava documentos para repassar a sua função a outro militar, que o substituiria na semana seguinte ao terremoto. Também acompanhava, da sala de trabalho dele no Haiti e por meio da internet, o aniversário de nossa filha. Foi quando a conexão caiu.
Eu não tinha a menor idéia do que estava acontecendo. Nunca imaginaríamos que, naquele momento, acontecia o terremoto. Nunca me passou pela cabeça que naquele instante ele estava morrendo. Sim, morrendo, pois permaneceu vivo por três horas depois de ser atingido pelo desabamento do quartel, dando forças aos colegas que tentavam salvá-lo. Ele pedia insistentemente que não o deixassem morrer. Dizia que os militares que trabalhavam no salvamento iriam conseguir resgatá-lo. Ele pedia para não morrer porque queria muito ver a gente, eu, a Giovanna e o Luís Gustavo, nosso outro filhinho. Infelizmente, não tiveram como socorrê-lo.
Foram dois andares em cima dele, a hemorragia interna e o poli-traumatismo ganharam a batalha pela vida do meu esposo, que não resistiu e morreu. Imagino agora todo o sofrimento pelo qual o meu esposo passou. Um homem e um marido maravilhoso, que gostava de ajudar outras pessoas, e por isso quis ir ao Haiti, de um caráter extraordinário,um pai exemplar e um profissional militar extremamente dedicado à carreira e à defesa da sua Pátria.
Meus dois filhinhos, a Giovanna e o Luís Gustavo, perguntam todos os dias pelo “papai” (“por que o papai ainda não voltou do Haiti, mamãe?”). Com o coração dilacerado, digo que o papai não voltará, que ele agora fez uma outra viagem, desta vez para ficar junto ao “Papai do Céu”. E quando a gente sentir saudades, devemos lembrar de tudo de bom que vivemos ao lado dele. As crianças não entendem muito bem, elas só têm 6 e 3 anos. Os 6 anos da Giovanna foram completados exatamente no dia da tragédia. Infelizmente.
Com tudo isso que nos aconteceu, com a tragédia maior que foi perder para sempre alguém muito especial em nossas vidas, ainda tivemos que passar por situações constrangedoras. O seguro de vida que nos pagaram, como se nossos maridos tivessem sofrido morte natural, ignora completamente o artigo 799 do Código Civil. A lei que nos concede auxílio financeiro e uma bolsa educação para nossos filhos ainda não foi cumprida. O governo federal prometeu essa indenização e, até agora, não cumpriu com a promessa.
Já falamos por diversas vezes (eu e as outras viúvas e mães) que nada e nem todo o dinheiro do mundo vão trazer nossos maridos e filhos de volta, mas só de saber que poderemos dar uma educação de qualidade e um futuro mais digno para os nossos filhos e familiares, isso nos conforta um pouco mais ─ apesar da dor e da saudade que sentimos. É muito importante para nós saber que podemos contar com a solidariedade humana, saber que ainda existem pessoas que praticam a empatia, que conhecem a nossa dor ou podem sentir a nossa dor.
Que Deus nos abençoe. Apesar de tudo que estamos vivendo (eu e as outras viúvas), eu acredito sim que podemos viver num mundo melhor, mais justo e mais digno. Só depende de nós e de nossas atitudes.
Beijos a todos.
Heloísa Chagas Maia de Camargos, viúva do tenente Raniel Camargos, um dos 18 militares mortos no Haiti.