Sul, o queridinho da vez
Prevalece a corrida pelo desconfiado voto feminino, que soma 52% do eleitorado e a tentativa de evitar a dispersão dos 21,4 milhões de votos sulistas
Eliane Cantanhêde (publicado no Estadão)
As novidades da eleição de 2018 vêm sendo todas derrubadas, mas eis que surge uma de onde menos se esperava: os vices não saíram nem do Nordeste nem de Minas Gerais. A turma deixou de dar murro em ponta de faca para arrancar votos nordestinos do PT, e o PSDB avalia que os votos mineiros estão em boas mãos com o tucano Antonio Anastasia disputando o governo.
Se há algum vice nordestino no primeiro pelotão é Eduardo Jorge (PV), na chapa de Marina Silva (Rede), mas ele só nasceu na Bahia e fez toda sua vida política em São Paulo, que tem 33 milhões de eleitores.
Prevaleceu a corrida pelo forte e desconfiado voto feminino, que soma 52% do eleitorado e a tentativa de evitar a dispersão dos 21,4 milhões de votos do Sul entre os presidenciáveis. Nada menos que quatro candidatos a vice são do Rio Grande do Sul: Ana Amélia (PP), de Alckmin; Manuela d’Ávila (PCdoB), de Fernando Haddad, ops!, de Lula; Germano Rigotto, de Meirelles; Hamilton Mourão, de Bolsonaro.
A lógica da escolha da senadora Ana Amélia é clara, porque ela tem o objetivo de segurar as traições do PP, recuperar os 4% de intenções votos de Alvaro Dias (Podemos) no Sul para o PSDB e evitar que a tropa sulista marche para Bolsonaro. Três dos ex-presidentes do regime militar eram gaúchos: Costa e Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Aliás, Bolsonaro teve de tudo para vice, de príncipe a astronauta, de pastor a general, de socialite rica à advogada Janaína Paschoal, mas ele acabou chovendo no molhado. O que o general Mourão acrescenta à chapa do capitão Bolsonaro? E quem bate continência para quem? A chapa miliar “puro-sangue” pode até segurar as intenções de votos recolhidas até aqui, mas dificilmente amplia o seu horizonte.
Do outro lado do espectro político, o PCdoB jurou que iria com candidata própria para a Presidência pela primeira vez, depois de ficar sempre a reboque do PT, e chegou até a fazer convenção em Brasília para lançar Manuela Dávila. Acreditou quem quis.
Mais esta “novidade” foi por água abaixo quando o PCdoB desistiu da gaúcha para continuar sendo satélite do PT. Criou, assim, uma figura interessante: a vice do vice. Como assim? Manuela deixou de ser candidata a presidente para ser vice do ex-presidente Lula, que, como todos sabemos, está tecnicamente impedido de disputar. Então, Manuela é vice de Haddad, que é “vice de Lula”. O teatro continua.
Ciro Gomes, jogado às traças por Lula, pelo PT, pelo PSB e pelo DEM, teve de se contentar com uma chapa puro-sangue, mas só em se tratando de partido, não exatamente de ideologia. Ciro é do PDT, sua vice Kátia Abreu também. Mas Ciro jura que é de esquerda e tudo que Kátia Abreu não é, e nunca foi, é de esquerda. Trata-se de uma líder ruralista competente e determinada, que se elegeu para o Senado e já presidiu a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Sua única e fugaz incursão pela “esquerda” foi o voto passional contra o impeachment da amiga Dilma Rousseff, o que jogou Kátia num limbo ideológico: perdeu toda a força política que realmente tinha na CNA e no mundo do agronegócio e nem por isso ganhou apoio, simpatia e cumplicidade nas esquerdas, nem mesmo no PT.
É assim que, depois de tanto se falar em Joaquim Barbosa, João Doria, Luciano Huck, Flávio Rocha e Paulo Rabello de Castro, a eleição afunila para políticos experientes e tradicionais. E não me venham dizer que Bolsonaro não é político, depois de um quarto de século na Câmara dos Deputados e com três filhos na política.
Com esse fim das “novidades”, já não é mais impossível o velho e conhecido Fla-Flu entre PT e PSDB. Ainda tem muito jogo, mas parece até cada vez mais provável.