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Augusto Nunes

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Sonia Zaghetto: O abismo olha para nós

Nossa fragilidade já havia se traduzido na cusparada de Jean Wyllys e nos episódios de agressões verbais. Agora com Eduardo Cunha demos um passo a mais: a violência física

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h34 - Publicado em 14 out 2016, 19h06

“Quem enfrenta monstros deve permanecer atento para não se tornar também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti”. A frase de Nietzsche me vem à memória no exato instante em que leio sobre a agressão a Eduardo Cunha no aeroporto Santos Dumont.

É certo que estamos indignados pelos crimes deslavados, pela punição que parece tardar e pela sensação de que a justiça é mais leve para os que se aboletam nas castas superiores. A sucessiva onda de escândalos tem seu peso. Compreensível que tenhamos pressa. Queremos justiça. E queremos agora.

Há monstros ─ monstros a mancheias. E temos nos detido longamente a contemplá-los. Acompanhamos seus movimentos, observando as manobras que nos revoltam, as ofensas ao país e as traições à confiança depositada nos homens públicos. O problema é que, ao seguir atentamente a ação dos inimigos da pátria, lentamente começamos a pagar o tributo ao abismo.

Aprendemos não só a odiá-los, mas, sem nos dar conta, passamos a lhes imitar alguns gestos de baixeza. Já não nos basta a justiça. Desejamos também vingança e bofetada. É catártico.

Quase imperceptivelmente cedemos ao descontrole emocional, às palavras duras e à santa ira. Nem nos demos conta de que o ódio não é cultivado sem consequências. Ele contamina o cotidiano e se revela na irascibilidade onipresente, na impaciência generalizada e na exasperação com que dizemos que o Brasil já não tem jeito.

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O perigo destas é que são práticas viciantes que não se limitam a episódios isolados. O ódio é insaciável e tem lá sua sedução.

Nossa fragilidade perante o abismo já havia se traduzido na cusparada de Jean Wyllys e nos recorrentes episódios de agressões verbais em restaurantes e hospitais. Agora com Eduardo Cunha demos um passo a mais: a violência física. Cá estamos nós copiando monstros.

O que há de mais terrível nisso tudo não é o mal que os monstros nos fazem fisicamente, mas os danos que infligem às almas. Pior que as astronômicas quantias roubadas e o escárnio dos que se julgam intocáveis é nos darmos conta que também nos foram subtraídos os traços de civilidade. Enquanto criticamos o discurso de ódio e as manipulações que seduzem incautos, igualmente nos convertemos em lobos, escravos dos impulsos, órfãos de virtude e envergonhados de nós mesmos.

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Lamentáveis são os desvios de dinheiro público, mas pior que eles são a perda da ética e do limite que nos faz aguardar pela justiça em vez de mergulhar as mãos no sangue alheio.

Além de ofendidos, corremos o risco de nos tornar marionetes do ofensor, cuja presença nos desatina. Ou seja, rouba o dinheiro e leva a alma como bônus.

A História nos lembra outras vítimas do abismo. Não foram poucos os que, desatentos, cruzaram a tênue linha que separa o indignado do bárbaro. O terror na Revolução Francesa, o assassinato das crianças Romanov, as humilhações públicas na China de Mao são demonstrações cabais do descontrole. Basta a primeira pedra e rolam pelo chão séculos de aprimoramento social e racionalidade.

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Os antigos gregos tinham uma palavra para designar a desmedida do gesto, o momento em que o pé ultrapassa a linha que demarca o razoável: hübris. Ela também marca este nosso tempo e tem efeito semelhante ao do álcool: intoxica os espíritos, obnubilando o senso.

A hübris é filha dileta do desprezo às leis. Marcada pela violenta paixão e pelo descontrole, não raro era duramente punida pelos deuses justamente porque avançava sobre o espaço alheio. Os modernos deuses da justiça também a isso punem – convém não esquecer.

O antídoto grego para a hübris? Sofrosine, a moderação e o autocontrole. Sob seu domínio, a discussão política, a natural indignação e o desejo de justiça vicejam sem que nos convertamos em desequilibrados caricatos.

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Hoje o abismo olhou de volta. E viu quando rimos de Eduardo Cunha sendo espancado pela mulher que era açulada por outros.

A barbárie espreita. Urge escapar às suas fúrias.

 

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