Se depender da vontade da Câmara dos Deputados, não há perigo de melhorar
Na primeira metade do século passado, discursos à beira da sepultura transformavam todo morto ilustre em “pai extremoso, marido amantíssimo e filho exemplar”. Ou filho extremoso, pai amantíssimo e marido exemplar, tanto fazia. Os três adjetivos se ajustavam a qualquer dos substantivos, a ordem de entrada em cena não alterava o impacto do elogio poderoso, […]
Na primeira metade do século passado, discursos à beira da sepultura transformavam todo morto ilustre em “pai extremoso, marido amantíssimo e filho exemplar”. Ou filho extremoso, pai amantíssimo e marido exemplar, tanto fazia. Os três adjetivos se ajustavam a qualquer dos substantivos, a ordem de entrada em cena não alterava o impacto do elogio poderoso, o efeito era o mesmo fossem quais fossem as parcerias estabelecidas pelo orador.
Vivíssima, a deputada Jaqueline Roriz mereceu do Partido da Mobilização Nacional, a que pertence, uma versão superlativa dessa pérola da retórica barroca. Na nota sobre a protagonista do mais recente vídeo da coleção do vigarista Durval Barbosa, o redator explica que o PMN convidou Jaqueline para filiar-se à sigla, em 2009, “baseado nas informações então colhidas, de se tratar de uma pessoa de boa índole e fácil trato, filha zelosa (de Joaquim Roriz, acrescento), mãe dedicada, esposa amantíssima, estimada pela população, com estabilidade financeira, interessada no exercício da ação política”.
O que teria feito uma figura de tão fina estirpe cair na vida? O mistério ainda aflige o PMN, informa a continuação da nota: “Lamentamos profundamente que com esse perfil, por moto próprio ou induzida por terceiros, tenha se deixado envolver ingênua e desnecessariamente numa prática nefasta, própria de agentes políticos com pequena expressão, com tibieza ética, moral e intelectual, sem horizontes e com carreira curta”. Se é a direção do partido quem está dizendo isso, Jaqueline não escapará da expulsão, certo?
Errado, informa a súbita mudança de rota do texto: “Lamentamos também que, com elogiáveis exceções, alguns jornalistas venham se especializando em promover antecipadamente e a seu bel-prazer o linchamento moral de algumas pessoas, quando é visível o ‘poupamento’ de outras”. Se o redator da nota escapar da internação perpétua no Sanatório Geral, não será má ideia transformá-lo em porta-voz do deputado Marco Maia.
A nota do PMN ─ um asteroide da constelação dos nanicos fundado em 1989, hoje com 194 mil filiados ─ ao menos dá vontade de rir. As declarações do presidente da Câmara sobre o mesmo caso despertam, como disse Roberto Jefferson a José Dirceu, os instintos mais primitivos de qualquer brasileiro decente. O parlamentar do PT gaúcho promete “acelerar as investigações” sobre a colega, mas ainda não sabe quando nem como. Grávido de dúvidas, pediu mais informações ao Ministério Público.
“Depende do que tenha”, condiciona Maia. “Se vier com informações mais contundentes, vai para o Conselho de Ética”. Ele não achou tão contundente o vídeo repulsivo. Talvez espere que Jaqueline seja presa em flagrante de latrocínio para remetê-la a um conselho que ainda não funciona porque os líderes dos partidos não indicaram representantes. E que não pune autores de crimes cometidos antes do início da atual legislatura, em obediência à Doutrina Cardozo.
“Se vier com informações sem substância”, avisa Maia, “mando para o corregedor analisar”. O corregedor Eduardo da Fonte, melhor aluno do mestre Severino Cavalcanti, está viajando. Quando voltar, talvez tenha de analisar um palavrório “sem substância”. Seja qual for o foro, Maia lembra que é fundamental ouvir o que Jaqueline tem a dizer. “Não vamos burlar o procedimento”, declama.
Ainda sumida, a filha de Joaquim Roriz resolveu desligar-se da Comissão de Reforma Política. Não quer causar constrangimentos ao grupo de pais-da-pátria que inclui, entre outros prontuários, Paulo Maluf, José Guimarães, Waldemar Costa Neto, Almeida Lima, Newton Cardoso e Eduardo Azeredo. Esses continuam, como continua na presidência da Comissão de Constituição de Justiça o mensaleiro juramentado João Paulo Cunha.
Se depender da vontade da Câmara do Deputados, não há perigo de melhorar.