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Augusto Nunes

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Roberto Pompeu de Toledo: Coragem e audácia

Cunha sempre contou com o conforto de agir ao lado, à sombra ou ao abrigo dos poderosos

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h27 - Publicado em 29 out 2016, 18h01

Publicado na edição impressa de VEJA

O ex-deputado Eduardo Cunha tinha os braços livres, largados e postos a balançar como pêndulos, no ritmo de suas passadas, ao ser preso e conduzido ao avião que o levaria a Curitiba. Caminhava à vontade como nos melhores dias, ginga para cá e para lá, os ombros caídos, ao modo que o gestor de propinas da Odebrecht tanto achou parecido com o de um caranguejo que lhe deu o nome do bicho nas planilhas de distribuição dos butins.

Não portava algemas. Também não levou os braços às costas, apesar de não as portar, como o casal João Santana-Mônica Moura. Nem fechou a cara, compungido como o ex-ministro Antonio Palocci. O à-vontade com que caminhava, distribuindo à passagem um tanto de empáfia e outro de afronta, foi seu último gesto de audácia, antes de submergir na carceragem da Polícia Federal.

Eduardo Cunha foi preso no mesmo mês em que se comemora o centenário do nascimento de Ulysses Guimarães. É uma heresia invocar o doutor Ulysses a pretexto de Cunha. Une-os o fato de terem sido os mais poderosos presidentes da Câmara no período pós-ditadura. Tudo o mais os separa. Suas opostas personalidades, trajetórias e estaturas morais nos servem no entanto para ilustrar a diferença entre duas qualidades que, a um olhar distraído, podem parecer da mesma natureza e cepa – a audácia e a coragem.

A coragem era a qualidade de suprema devoção de Ulysses: “Sou fascinado pelo tema da coragem”, dizia. Num “Decálogo do Estadista” que elaborou para o prefácio de um livro com seus discursos, elegeu a coragem como a primeira virtude do homem público. “O pusilânime nunca será um estadista”, escreveu. A coragem, ou antes a consciência da coragem como preliminar indispensável à ação, impulsionou-o ao grande papel de chefe da resistência à ditadura. A bela página da “anticandidatura”, como ele chamou seu desafio ao general Geisel, na sucessão presidencial de 1974, foi fruto da coragem que em seu íntimo tão cuidadosamente trabalhava, limava e polia. Tanto quanto exaltava a coragem, exorcizava o seu contrário, o medo. “Viemos aqui para fazer uma Constituição, não para ter medo”, bradou aos colegas, numa ocasião em que pressões fortes baixavam sobre a Assembleia Constituinte. Ao promulgar a Constituição enfiou em seu discurso, desafiador: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.

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A audácia, apanágio de Eduardo Cunha, permitiu-lhe insinuar-se, abrir caminho e avançar. Nomeado presidente da Telerj por PC Farias, no governo Collor, seria derrubado por uma roubalheira, mas eis que no governo fluminense de Anthony Garotinho ressurge como presidente da Companhia Estadual de Habitação, até ser destituído em outra roubalheira, e nem por isso deixou de ir em frente, deputado estadual, depois federal, finalmente presidente da Câmara, a golpes de bajulação, chantagem e cara de pau. Ulysses usou da coragem para desafiar um sistema de poder. Cunha serviu-se da audácia para aninhar-se nele.

Não há coragem no audacioso. Animavam o ex-deputado a ambição sem medida e a generosa rede de proteção que se dá o nome de impunidade. Em vez de coragem pode-se até concluir que sua marca confina com a dos pusilânimes. Ele sempre contou com o conforto de agir ao lado, à sombra ou ao abrigo dos poderosos.

Até que lhe atravessou o caminho a Operação Lava Jato.

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O magnata da imprensa americana Ted Turner, fundador da rede CNN de televisão e ex-marido de Jane Fonda, passou uma fase depressiva em que o atormentava o pensamento de que seria assassinado. Até já preparara o que diria ao assassino: “Obrigado por não ter vindo antes”. Tanto era bola cantada a prisão de Eduardo Cunha que ele poderia ter dito o mesmo para os agentes da Polícia Federal. E tanto se sucedem as peças caídas no dominó da Lava Jato que até corremos o risco de nos acostumar e achar normal. É parar para pensar, e nos damos conta da enormidade em que consiste a prisão de um político do porte de Eduardo Cunha.

Depois do capitão do time José Dirceu, do empresário estrela Marcelo Odebrecht e de outras figuras de destaque, o círculo se fechou sobre o mais ardiloso, o mais manobreiro e o mais temido político brasileiro da última safra.

A Operação Lava Jato é um espanto.

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