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Roberto Pompeu de Toledo: Cansaço e desencanto

No panorama devastado da política brasileira não se vislumbra saída, e o vício reiterado da corrupção, escândalo após escândalo, só promete desencanto

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h52 - Publicado em 27 Maio 2017, 19h56

Publicado na edição impressa de VEJA

De Collor aos Anões do Orça­mento, dos Anões do Orçamento ao mensalão, e do mensalão ao petrolão, foram 25 anos (bodas de prata!) em que escândalos de corrupção deceparam presidentes, cassaram parlamentares, arruinaram reputações ─ mas também fizeram luzir no horizonte um raio de esperança. O Brasil, que com Collor foi ao fundo do poço, mais para baixo não poderia ir. E no entanto vieram os Anões do Orçamento. Chega, indicava a seguir a esperança, essa teimosa; agora a política brasileira há de se emendar. E no entanto veio o mensalão. Depois do mensalão, ao qual nada, de mais amplo e profundo, poderia suceder, veio o petrolão, mais amplo e profundo. E no transcurso do petrolão, desdobramento após desdobramento, vem agora, sucedendo ao assombro das delações da Odebrecht, que nada podia superar, a delação de Joesley Batista, dono da tentacular JBS, e põe por um fio a sobrevivência do governo Temer.

Na campanha presidencial de 2002, o marqueteiro Duda Mendonça, a serviço do PT, inventou um comercial que, sob o mote “Xô, corrupção!”, mostrava um bando de ratos roendo a bandeira nacional. “Ou a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil”, dizia o texto. Pois naquele momento mesmo, enquanto esconjurava a corrupção, o marqueteiro a praticava, aceitando que seus serviços fossem pagos em paraísos fiscais do Caribe. O Brasil se notabiliza, no concerto das nações, por sucessivos recordes no campo da corrupção: por sua onipresença, em todos os níveis do governo, por seus montantes bilionários, por sua extensão no tempo. Mais notável ainda, a corrupção brasileira consegue perpetrar o milagre da simultaneidade, um elaborado esquema que desponta atropelando e se sobrepondo ao anterior. Enquanto se esconjurava o mensalão, em julgamento do Supremo Tribunal Federal, engendrava-se o petrolão. A trama da corrupção, a exemplo dos espetáculos de circo, quando o trapezista despenca no tablado, não pode parar.

A delação de Joesley Batista mostra que o ex-deputado Eduardo Cunha, mesmo preso, continuava a cobrar, exigir e se beneficiar de grossas propinas. O senador Aécio Neves, por seu lado, mesmo acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois, insistia em buscar junto a Joesley mais dinheiro oriundo de corrupção, lavagem e caixa dois, para pagar advogados que o defendessem desses crimes. Num terceiro caso, o mais vital, porque situado no centro do poder, o presidente Temer, não bastasse já chefiar um governo que mal e mal suporta o peso das muitas suspeitas contra seus membros, não se vexou de receber um empresário encrencado, para uma conversa suspeita, na calada da noite.

A conversa de Temer com Joesley Batista, que entrou escondido no Palácio do Jaburu, o empresário com um gravador no bolso, produziu duas falas que, fosse uma peça de teatro, deixariam a plateia de respiração suspensa. A primeira, dita em tom baixo, foi: “Tem que manter isso, viu?”. Cinco humildes palavrinhas, terminadas num “viu?” que era a reiteração singela de uma ordem, um alerta para prestar bem atenção porque isso é importante. Joesley acabava de lhe dar conta das propinas com que continuava a alimentar a ganância de Eduardo Cunha. De acordo com o promotor Rodrigo Janot, o presidente enfatizava a necessidade de não interromper os pagamentos a Cunha para mantê-lo calado. A segunda fala foi quando Joesley afirmou que precisava resolver pendências junto a órgãos do governo como o Cade, a CVM e a Receita Federal, e Temer retrucou: “Fale com o Rodrigo”. Joes­ley explorou o terreno: “Posso falar sobre tudo com o Rodrigo?”, e Temer respondeu: “Tudo”.

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Rodrigo Rocha Loures, o homem com quem se podia falar de “tudo”, é hoje um deputado pelo Paraná. Na época, era assessor de Temer na Presidência. Procurado nos dias seguintes por Joesley, ele se dispôs a ajudá-lo em múltiplas frentes, a começar pelo Cade, o órgão regulador da concorrência entre as empresas. Joesley reivindicava que a termelétrica de sua propriedade, em Mato Grosso, pudesse comprar gás diretamente da Bolívia, e não da Petrobras, cujos preços são mais altos. Loures pôs mãos à obra, e Joes­ley lhe prometeu que, do benefício obtido com a operação, 5% seriam dele.

Temer é, no elenco dos peemedebistas no comando do país, o responsável pela pose. Isso vem de longe. Os Jucás, Renans, Cunhas e Geddeis ficam com o escracho, ele segura a turma na pose. O nó da gravata Temer não cansa de ajustar, o paletó nunca largará aberto com desleixo; as mãos, ora espalmadas, ora juntas ao peito, ora em acrobáticos rodopios, descrevem estudadas evoluções; o lábio inferior se mete entre os dentes, e a testa se contrai em sinal de que o cérebro se ocupa de graves reflexões. Os outros representam a esbórnia ou a cafajestada, ele é o homem sem dúvida sério, apresentável nos melhores salões. A seu auxiliar Loures, com quem se pode falar de tudo, coube receber 500 000 reais, em dinheiro vivo, de Joesley ─ primeira parcela pelo serviço a ser prestado.

O sério Temer, desde quando foram reveladas as gravações de Joesley Batista, passou, com pose e tudo, a protagonista do mais novo clássico da corrupção brasileira. Acompanhará doravante sua biografia ilustrada o ato da entrega do dinheiro a Rodrigo Loures, documentado em fotos e vídeos. Sobra a pergunta: caindo Temer, o que virá depois? No panorama devastado da política brasileira não se vislumbra saída, e o vício reiterado da corrupção, escândalo após escândalo, só promete desencanto. Até a esperança, tida como a última que morre, está cansada. No exato momento em que o leitor lê estas linhas, algum político estará recebendo propina, e algum empresário estará combinando uma trapaça.

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