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“Houve um gesto de tão baixo nível”, escreveu Míriam, “que prefiro nem relatar aqui”

Por Augusto Nunes Atualizado em 2 jul 2017, 19h09 - Publicado em 2 jul 2017, 19h09

Publicado na edição impressa de VEJA

Faz parte dos usos e costumes da esquerda abusar do xingamento de fascista, mas quem protagonizou um episódio no autêntico modelo fascista foi ela mesma, com as hostilidades deflagradas por um grupo de petistas contra a jornalista Míriam Leitão, durante um voo da companhia Avianca entre Brasília e o Rio de Janeiro. Para quem perdeu a história, ocorrida no último dia 3, Míriam já era vítima da assuada dos petistas antes mesmo de embarcar. Durante o voo, segundo relato escrito pela jornalista em sua coluna do jornal O Globo, sucederam-se “gritos, slogans e cantorias” contra ela e a Rede Globo. Alguns, em silêncio, lança­vam-lhe “olhares de ódio ou risos debochados”; outros armavam o celular para flagrar o momento em que ela reagiria — o que não aconteceu. “Houve um gesto de tão baixo nível”, continua Míriam, “que prefiro nem relatar aqui.” Os mais façanhudos, ao perambular pelo corredor, empurravam sua poltrona.

O episódio difere por duas razões de similares como os xingamentos sofridos pelo ex-ministro Guido Mantega à porta do hospital aonde fora levar a mulher ou os sofridos pelo também jornalista Alexandre Garcia num aeroporto. Em primeiro lugar, nesses casos os agressores eram livres-atiradores, enquanto no de Míriam eram delegados que, depois de participar da convenção nacional do partido, regressavam às suas bases. Em segundo, eles agiam como um grupo organizado, o que os aproxima dos esquadrões de assalto do fascismo italiano e do nazismo alemão e lhes aumenta a covardia. Eram uns vinte, segundo a jornalista, alguns já entrados nos 50 anos, e vestiam a camisa vermelha assim como os fascistas e nazistas de outro­ra vestiam a camisa negra.

Faz pouco tempo Míriam Leitão rompeu o silêncio que guardou por muitos anos sobre um episódio ocorrido quando, jovem militante do PCdoB, foi presa na ditadura. Seus algozes, depois de tapas, chutes e repetidas ameaças de estupro, trancafiaram-na, nua, numa sala escura, e ali a deixaram com uma jiboia por companhia. O escuro, o desamparo, a impotência, o esforço para não se mexer nem fazer ruído que pudesse atrair a cobra – tudo somado, o medo era proporcional ao tamanho da crueldade. O caráter revelado pelos petistas do avião os aproxima dos torturadores. Deixa supor do que seriam capazes, se possuíssem os meios de coerção e punição dos agentes da ditadura. E, no entanto…

No entanto, o que fez o PT? Numa nota, a nova presidente do partido, a senadora Gleisi Hoffmann, lamentou o ocorrido e afirmou ser orientação à militância “não realizar manifestações políticas em locais impróprios e não agredir qualquer pessoa por suas posições políticas”. É pouco. O grupo em questão não era de peões da militância. Era de delegados ao maior evento do calendário partidário, a convenção nacional, mais relevante ainda, nesse caso, porque elegeria a nova presidente e os novos diretores do partido. O primeiro motivo de perplexidade é saber que gente da laia de quem agrediu a jornalista está entre os convocados para decidir os altos destinos da agremiação. O segundo motivo é que até onde se sabe nenhuma sanção interna, nem a mais leve admoestação, foi dirigida pelas instâncias superiores do partido ao grupo de cafajestes e trogloditas do voo da Avianca.

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Eis o PT flagrado em seu labirinto. A mesma nota da senadora Gleisi afirma que a Rede Globo é “em grande medida responsável pelo clima de radicalização e até de ódio por que passa o Brasil”. Não fosse o argumento uma tentativa de atenuar o impossível de ser atenuado, revela que o PT continua a assistir à Rede Globo do tempo da ditadura e da campanha de Collor. Assim como o PSDB, seu contrário mas também seu alter ego, tem o futuro comprometido por não conseguir se desgarrar do passado. É pena porque o PT é importante para o Brasil. Representa um segmento significativo da opinião pública, tem raízes na sociedade e canalizou para as arenas parlamentar e eleitoral forças que, sem essa alternativa, estariam à deriva como estiveram as que na Colômbia aderiram às Farc.

“Quando me levantei”, escreveu Míriam Leitão, no fecho de seu relato, “um deles, no corredor, me apontou o dedo, xingando em altos brados. Passei entre eles no saguão do aeroporto debaixo do coro ofensivo.” Em nenhum momento a turba foi perturbada pelo comandante ou pela tripulação. No voo e nas instâncias partidárias prevaleceu, impune e triunfante em sua boçalidade, o PT do estardalhaço fascista.

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