Dia das Mães: Assine por apenas 5,99/mês
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Profissões em extinção: o alfaiate

Alfaiate, tradição e elegância feitos à mão Branca Nunes A viagem ao passado começa já na entrada do prédio onde está, cinco andares acima, a oficina de José Cozzi. O edifício, ao lado do metrô Anhangabaú, no centro de São Paulo, ainda ostenta escadas de mármore e detalhes em Jacarandá que exalam cheiro de coisa […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 14h40 - Publicado em 1 ago 2010, 17h30

alfaiate2

Alfaiate, tradição e elegância feitos à mão

Branca Nunes

A viagem ao passado começa já na entrada do prédio onde está, cinco andares acima, a oficina de José Cozzi. O edifício, ao lado do metrô Anhangabaú, no centro de São Paulo, ainda ostenta escadas de mármore e detalhes em Jacarandá que exalam cheiro de coisa antiga. A portaria dispensa os visitantes de apresentações do RG, fotografias computadorizadas, catracas e crachás. Atrás do pequeno balcão, o recepcionista só levanta os olhos do jornal para indicar o caminho que conduz ao “andar dos alfaiates”.

O elevador verde oliva, com botões e avisos de ferro dourado e piso de granito, parece uma máquina do tempo. É possível imaginar o ascensorista, de uniforme, acomodado no banquinho de madeira – daqueles de abaixar, presos na parede. Um leve tranco indica o fim da jornada. À direita, dois pesados ferros de passar roupa sobre pilastras mostram o caminho.

Quem abre a porta é um homem vestido impecavelmente – calça social, gravata vermelha e camisa branca -, com os cabelos grisalhos penteados para trás e uma inseparável fita métrica em volta do pescoço. Há mais de 40 anos, Cozzi tira medidas para cortar e costurar os melhores ternos da capital.

Continua após a publicidade

O ofício lhe foi ensinado por Alceu Sério, um dos nove alfaiates de Duartina, a 40 quilômetros de Bauru, no interior de São Paulo, que na época contava 13.000 almas. Filho de lavradores italianos, Cozzi foi aceito como aprendiz aos 11 anos de idade. “No início, fazia serviços parecidos com os de um office-boy, levando e trazendo recados, buscando tecidos”, lembra. “Aos poucos passei a costurar calças curtas.” Refere-se àquelas peças bruscamente interrompidas 10 centímetros acima do joelho que os meninos de antigamente usavam até receberem da família o passaporte para a adolescência.

Depois, calças de brim, de linho comum, linho acetinado, casimira de segunda classe, casimira média e casimira boa. Em seguida, os paletós, que requeriam a mesma hierarquia de tecido. Cada um desses estágios, inacreditavelmente, demorava um ano para ser percorrido. Ou seja, Cozzi viveu mais de uma década de estudo prático.

“Meu primeiro pagamento foi uma tesoura com a ponta quebrada”, recorda o homem que hoje cobra 2.500 reais pela confecção de um terno. A quantia não inclui o tecido. “Quando um paletó era exposto na vitrine da alfaiataria, a consagração do alfaiate era maior do que a de um jogador de futebol.”

Continua após a publicidade

Em São Paulo, Cozzi passou por dezenas de oficinas até conseguir fincar a sua no endereço onde continua depois de 30 anos. Ali, todo o serviço é supervisionado de perto pelo alfaiate. As máquinas de costura não são elétricas, mas de pedal, os ferros de passar roupa pesam cerca de 7 quilos (passar um terno é uma das maiores artes do bom alfaiate) e as prateleiras de madeira de lei abrigam os melhores cortes de tecido no mundo. Elogiados principalmente pelo acabamento da manga e da lapela, os ternos “J. Cozzi” são costurados com linha importada e mantêm a tradição do caseado feito à mão.

Aos 66 anos, comanda 18 funcionários que, juntos, fazem uma média de 30 ternos por mês – para uma clientela composta predominantemente por banqueiros e judeus, moradores dos bairros do Morumbi e de Higienópolis. São oficiais buteiros (fazem consertos em geral), oficiais de paletó, oficiais mangueiros, oficiais de calça e assim por diante. É cada vez mais difícil encontrar alguém que, como Cozzi, saiba fazer com excelência todas as partes que compõem um terno.

Essas complicações o aconselharam a proibir os três filhos de seguirem a profissão do pai. “Eles me pediram dezenas de vezes para ensiná-los. Mas o que adianta aprender esse ofício se não há mão-de-obra qualificada? Um alfaiate não consegue fazer o terno todo sozinho. Ele precisa da ajuda dos oficiais e hoje quase não existem mais bons profissionais. Ninguém tem mais paciência para tantos anos de estudo”, conforma-se, sem sinais de nostalgia no tom de voz. “Meus funcionários são quase todos mais velhos do que eu.”

Com trabalho de sobra e gente de menos, a equipe de Cozzi está com a agenda lotada até o fim do ano. “As duas características essenciais para a profissão são bom gosto e mão-de-obra qualificada”, receita. O sumiço da segunda, profetiza Cozzi, prenuncia a extinção dos alfaiates.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada revista sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.