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Augusto Nunes

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O genial inventor de personagens partiu acompanhado por 209 criaturas imortais

Chico Anysio talvez não soubesse que todo brasileiro com mais de 30 anos e mais de cinco neurônios lhe deve muitas, muitíssimas gargalhadas, além de incontáveis momentos suficientemente divertidos para induzir ao riso até um mal-humorado profissional. Foi o que fiz questão de dizer-lhe na tarde de 5 de julho de 1995, no estúdio da […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 09h15 - Publicado em 23 mar 2012, 19h24

Chico Anysio talvez não soubesse que todo brasileiro com mais de 30 anos e mais de cinco neurônios lhe deve muitas, muitíssimas gargalhadas, além de incontáveis momentos suficientemente divertidos para induzir ao riso até um mal-humorado profissional. Foi o que fiz questão de dizer-lhe na tarde de 5 de julho de 1995, no estúdio da RBS em Porto Alegre, já na abertura do programa Perguntar não Ofende, que apresentava ao lado da jornalista Cláudia Nocchi. Agredido pela má notícia desta sexta-feira, conforta-me lembrar que me inseri, diante do próprio credor, entre os seus milhões de devedores. Essas coisas precisam ser ditas em vida.

Já conhecia Chico Anysio, e voltaria a encontrá-lo depois. Mas nunca o vi tão feliz quanto naquele inverno. Planejava o retorno à tela da Globo, andava bem de saúde e fazia muito sucesso com o show que iniciara na véspera a temporada gaúcha. No meio da conversa, a animação do entrevistado me induziu a perguntar-lhe se toparia incorporarar ali mesmo as figuras que encarnava na TV. Respondeu que sim. Combinamos que, assim que eu mencionasse determinada criatura, ele assumiria sua identidade enquanto repetia o bordão de cada uma. E então Chico promoveu o mágico desfile de personagens eternizados na memória afetiva do Brasil.

─ Tavares ─ comecei.

─ Sou, mas quem não é? ─ ele replicou, com a voz pastosa e o sorriso debochado do simpático canalha que, sempre com um copo nas mãos, ensaiava a consumação do golpe do baú.

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─ Alberto Roberto ─ continuei.

─ Não gaaravo ─ entoou o entrevistado com tamanha convicção que, sobre os cabelos grisalhos, enxerguei os fios negros protegidos por uma redinha do adorável canastrão.

─ Justo Veríssimo.

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─ Eu quero é que pobre se exploda! ─ ouvi a exclamação endossada em silêncio por todos os políticos governistas que frequentam o grande clube dos cafajestes.

O cortejo hilariante prosseguiu com Coalhada, Azambuja, Bozó, Salomé, Bento Carneiro, Pantaleão, Painho e mais um punhado de integrantes da soberba galeria. Sem maquiagem, adereços, barbas ou bigodes postiços, sem recorrer a figurinos que sublinham o estilo e a alma de cada personagem, o mais brilhante criador de tipos do humorismo brasileiro valeu-se exclusivamente do talento imenso para povoar o estúdio da RBS com os frutos de sua assombrosa imaginação. Entrevistadores, câmeras, iluminadores ─ todos caímos no riso solto enquanto durou o espetáculo improvisado pelo gênio.

A lembrança daquela sequência deslumbrante me avisa que, para tristeza dos que ficam e consolo de quem parte, um artista dessa linhagem não morre sozinho. Com o criador, vão-se também as criaturas. Junto com o grande Chico Anysio, morreram outros 209 tipos inesquecíveis. Todos merecem de cada brasileiro um beijo e uma lágrima.

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