O duelo entre o colunista e meio presidente (em dois capítulos)
Publicado em 14 de junho CAPÍTULO 1 Sou o único jornalista contemplado com mensagens malcriadas por um presidente e meio. O presidente é Itamar Augusto Cautiero Franco, vice promovido a titular pelo despejo de Fernando Collor. A metade que fecha a conta é Antônio Paes de Andrade, que acumulou a presidência da Câmara e a […]

CAPÍTULO 1
Sou o único jornalista contemplado com mensagens malcriadas por um presidente e meio. O presidente é Itamar Augusto Cautiero Franco, vice promovido a titular pelo despejo de Fernando Collor. A metade que fecha a conta é Antônio Paes de Andrade, que acumulou a presidência da Câmara e a chefia do Executivo durante as viagens internacionais de José Sarney, vice promovido a titular pelos micróbios do Hospital de Base de Brasília. Numa delas, o cacique do PMDB do Ceará fundou na cidade natal a República de Mombaça. A soma disso tudo vale meio presidente. No mínimo.
Não foi difícil despertar a cólera de Itamar Franco: dois ou três artigos bastaram para que o mineiro briguento revidasse com um manuscrito desaforado. Essa história fica para depois. Hoje sai do baú o relato, dividido em duas partes, do entrevero que me rendeu um texto enviado por fax em 5 de janeiro de 2005. Subscrito pelo então embaixador do Brasil em Portugal, o documento histórico começou a nascer em 1985, quando garanti a Paes de Andrade um mandato imaginário de 15 dias.
Já contei esse caso mais detalhadamente num post. Duas semanas antes da eleição municipal, numa reportagem publicada na VEJA, incluí o candidato a prefeito de Fortaleza pelo PMDB entre os cinco ou seis que já podiam preparar a festa da posse. Baseada nas pesquisas do Instituto Gallup, a informação foi espetacularmente desmentida pelo triunfo de Maria Luiza Fontenelle, do PT. E então o dono do Gallup explicou o naufrágio: Paes de Andrade parecia tão favorito que as pesquisas foram suspensas em 1° de novembro. Os ventos mudaram, as urnas desmentiram a pesquisa e o derrotado só foi prefeito na revista.
Em vez de ficar agradecido pelo mandato imaginário, Paes de Andrade resolveu dividir com a reportagem a culpa pelo fiasco. Os cabos eleitorais ficaram tão certos da vitória, alegou, que relaxaram na reta final. A hora do troco chegou em fevereiro de 1989, quando José Sarney foi passear no Japão por uma semana e o presidente da Câmara decidiu fazer bonito no Planalto.
Sarney acabara de decolar quanto Paes de Andrade entrou em ação. Requisitou um Boeing 707 da presidência e voou para Fortaleza com os 66 integrantes da comitiva. Da capital cearense, a multidão deslocou-se para Mombaça ─ a 300 quilômetros de distância ─ em dois Buffalo da FAB, que pousaram no aeroporto ampliado em tempo recorde especialmente para receber o filho mais ilustre da cidade.
Acomodados em 25 carros oficiais, os viajantes seguiram para a festa de inauguração da agência do Banco do Nordeste, em funcionamento desde o ano anterior. Era o pretexto para a cerimônia de fundação da República de Mombaça. A população inteira compareceu ao comício estrelado pelo presidente conterrâneo. Voz embargada, chorando em alguns momentos, Paes de Andrade fez um discurso de quatro horas. Recordou a história da cidade natal, celebrou a bravura do sertanejo e citou, entre outros, Jesus Cristo, Getúlio Vargas, Napoleão Bonaparte, Padre Cícero, Lampião, José Sarney, Pelé, Frei Damião, Tiradentes, Buda e Nelson Ned.
Traduzi meu espanto em alguns artigos no Estadão. Paes de Andrade ficou irritado, mas engoliu em seco. O que achou insuportável foi o texto que publiquei no Jornal do Brasil 15 anos mais tarde. Mas isso fica para quinta-feira, quando aqui se lerá a segunda e última parte do duelo entre o colunista e meio presidente.