Abril Day: Assine Digital Completo por 2,99
Imagem Blog

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

O assassino chamado Clemente era da Paz no sobrenome

Publicado em 12 de setembro Ele chegou da rua no começo da noite, hasteou-se diante do irmão mais velho sentado na poltrona da sala, esperou a pausa na leitura do jornal e recitou: “Fiz a minha opção político-ideológica definitiva. Sou marxista-leninista.” Desconcertou-se ao notar que a expressão do primogênito exibia a placidez de quem ouvira […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 16h09 - Publicado em 2 jan 2010, 09h00

momentos-20091

Publicado em 12 de setembro

Ele chegou da rua no começo da noite, hasteou-se diante do irmão mais velho sentado na poltrona da sala, esperou a pausa na leitura do jornal e recitou: “Fiz a minha opção político-ideológica definitiva. Sou marxista-leninista.” Desconcertou-se ao notar que a expressão do primogênito exibia a placidez de quem ouvira o caçula avisar que estava de saída para tomar algumas no bar da esquina.

“Você já leu muita coisa sobre isso?”, perguntou em tom displicente o alvo da notícia formidável. “Li o necessário”, mentiu naquele outubro de 1968 o estudante de 19 anos que, em janeiro, trocara a cidade interiorana pelo Rio para cursar a Faculdade Nacional de Direito. “Não vai mais piorar a imagem do Brasil no Exterior?”, quis saber o irmão com um sorriso de Mona Lisa.

Pelo projeto original, a faculdade era só a primeira escala na trajetória que o levaria ao Instituto Rio Branco, depois ao Itamaraty e, se Deus ajudasse, à embaixada do Brasil em Paris. Com cara de ofendido, avisou que não queria nada com a aristocracia decadente, nem com a burguesia emergente. “O dever de um revolucionário é fazer a revolução e não tenho dúvidas sobre o que devo fazer na vida”, resumiu.

“Que bom!”, ouviu. “Tudo o que eu queria era ter menos de 20 anos e nenhuma dúvida. Estou com 25 e cheio delas”. Ambos em silêncio, só o caçula escutou o estrondo das interrogações soterrando o poço de certezas inaugurado horas antes. As 19 palavras induziram o revolucionário de 19 anos a passar quatro ou cinco dias flagelando-se com perguntas. As respostas o aconselharam, no fim de 1969, a recusar a adesão à luta armada. Só por isso não enveredou pela trilha à beira do penhasco.

Continua após a publicidade

Quem começasse a percorrê-la, constatou-se na virada da década, teria de avançar até a chegada – ainda que não houvesse chegada. Quem tentasse desviar-se do caminho ou propor mudanças de rota estaria exposto aos castigos reservados pelo código penal da luta armada aos traidores, vacilantes ou desertores. Os julgamentos eram sempre sumários e os jovens, assombrosamente severos.

Márcio Leite de Toledo tinha 19 anos quando foi enviado a Cuba pela Aliança Libertadora Nacional, para fazer um curso de guerrilha. Ao voltar em 1970, tornou-se um dos cinco integrantes da Coordenação Nacional da ALN. Também com 19 anos, lá já estava Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Em outubro, durante uma reunião clandestina, o quinteto de generais soube do assassinato de Joaquim Câmara Ferreira, que em novembro do ano anterior substituíra o chefe supremo Carlos Marighela, fuzilado numa rua de São Paulo. Márcio propôs uma pausa na guerra antes que fossem todos exterminados.

Não era a primeira vez que divergia dos companheiros, lembrou Carlos Eugênio. Desconfiado, decidiu que algo havia por trás daquilo. Em duas horas, convenceu-se de que o dissidente estava prestes a traí-los e entregar à polícia o muito que sabia. Em dois dias, convenceu o restante da cúpula a subscrever a dedução. Com o endosso dos companheiros, montou o tribunal revolucionário, propôs a sentença de morte e ajudou a executá-la.

Continua após a publicidade

Convidado para uma reunião de rotina com os carrascos, Márcio saiu para o encontro com a morte, no centro de São Paulo, no fim da tarde de 23 de março de 1971. Antes de sair do apartamento onde se escondia, o condenado escreveu que “nada o impediria de continuar combatendo”. Não podia imaginar que seria impedido por oito tiros.

O assassino hoje sessentão admite que o crime foi “um erro”, mas não se arrepende do que fez. Na guerra, explica o justiceiro, coisas assim acontecem. Depois do crime, ele se tornou muito respeitado pelos companheiros, que o conheciam pelo codinome talvez sugerido pelo Paz do sobrenome: Clemente.

Neste fim de semana, o ministro Tarso Genro voltou a defender a revisão da Lei da Anistia. Os parentes de Márcio Leite de Toledo, que vivem em Bauru, esperam que seja efetivamente ampla, geral e irrestrita. Tarso divide o Brasil dos anos 70 entre comparsas da ditadura e heróis da resistência, Como nunca abriu a boca sobre o caso, não se sabe se o jovem assassinado figura na ala dos sergios fleurys ou no bloco dos cesares battistis. Carlos Eugênio é companheiro, claro. Tem todos os atributos necessários para envelhecer em sossego numa assessoria especial do Ministério da Justiça.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

ABRILDAY

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 2,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$35,88, equivalente a 2,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.