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Augusto Nunes

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No último volume da biografia de Getúlio Vargas, Lira Neto ilumina os caminhos percorridos pelo mais importante político brasileiro entre a queda em 1945 e o desfecho da tragédia incomparável

AUGUSTO NUNES PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA Sozinho em seu labirinto, o maior ator da política brasileira ensaiou pelo menos cinco vezes, ao longo de 24 anos, o desfecho da tragédia incomparável. Cartas, anotações e bilhetes enfileirados pelo biógrafo Lira Neto comprovam, na abertura do último volume da trilogia sobre Getúlio Vargas, que […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 03h14 - Publicado em 21 ago 2014, 18h32

getuliopostAUGUSTO NUNES

PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA

Sozinho em seu labirinto, o maior ator da política brasileira ensaiou pelo menos cinco vezes, ao longo de 24 anos, o desfecho da tragédia incomparável. Cartas, anotações e bilhetes enfileirados pelo biógrafo Lira Neto comprovam, na abertura do último volume da trilogia sobre Getúlio Vargas, que o protagonista do drama encerrado em 24 de agosto de 1954, quando apertou o gatilho do Colt 32, já se habituara a levar a mão ao coldre sempre que entrevia o fantasma da derrota irreversível — e, por trás dela, as humilhações reservadas aos apeados do poder.

O gaúcho Getúlio Dornelles Vargas enxergava no suicídio a única forma de sobreviver à morte física, antecipar-se à vingança do inimigo vitorioso e seguir existindo na memória popular. Nascido em São Borja e criado em paragens conflagradas por duas guerras civis e antagonismos ferozes, a abreviação voluntária da vida não era a rendição que interrompe o confronto. Era a senha para o contra-ataque que desencadeia a guerra póstuma.

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“E se perdermos?”, perguntou-se num manuscrito datado de 3 de outubro de 1930, horas antes da deflagração do movimento armado que o levaria à chefia do governo federal. A resposta (“Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”) seria repetida, com variações na forma que em nada afetam o conteúdo, em 10 de julho de 1932, quando registrou em seu diário o início da Revolução Constitucionalista, e em 19 de janeiro de 1942, ao optar pela adesão aos Aliados na Segunda Guerra Mundial.

Nos três episódios, a vitória dispensou-o de consumar a ameaça. Mas o flerte com a morte foi retomado em abril de 1945, quando se multiplicaram as evidências de que a cúpula do exército tramava a deposição do ditador. “Estou resolvido ao sacrifício para que ele fique como um protesto, marcando a consciência dos traidores”, avisou. Desta vez, não cumpriu a promessa por acreditar que não fora liquidado politicamente. As urnas logo gritariam que o genial intuitivo estava certo.

Os adversários triunfantes ainda decoravam os nomes das secretárias quando, com uma declaração de apoio divulgada a quatro dias do pleito, implodiu o favoritismo de Eduardo Gomes e garantiu a chegada de Eurico Dutra à Presidência da República. Meses mais tarde, elegeu-se senador por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul, além de deputado federal por sete. À impressionante demonstração de força, contudo, seguiu-se a confirmação de que não exagerava ao avaliar a extensão e a intensidade dos ódios acumulados ao longo dos 15 anos em que governou o país.

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Bastaram algumas sessões, todas tumultuadas pelo som da fúria, para que desistisse de aparecer no Congresso por longos meses. Não fez nenhum discurso, nem apresentou qualquer projeto. Transformado pela bancada da UDN oposicionista em tema único dos virulentos comícios diários, retirou-se para a estância na fronteira. Ali, ao saber que os inimigos queriam castigá-lo com o desterro, escreveu a quinta mensagem de despedida. Afastada a ameaça, aproveitou a trégua para planejar o regresso ao Palácio do Catete.

Antes de optar pelo reinício do duelo, consultou apenas a filha Alzira. Amparado nas revelações que hibernam nos originais do segundo e ainda inédito livro de memórias da autora de Getúlio Vargas, Meu Pai, Lira Neto constata que Alzira foi a única confidente de um introspectivo visceral. Numa das cartas trocadas entre a filha que chamava de “Ge” o pai que a tratava por “Rapariguinha”, Getúlio enumera os perigos que espreitavam todos os caminhos possíveis e pede a opinião da destinatária na última linha: “Que pensas?”

Alternando considerações argutas, informações precisas e alusões irônicas, a astuciosa Alzira convenceu a esfinge de que era hora de regressar pela rota do voto à trincheira que havia conquistado pela trilha das armas. Ao lado da exposição da face mórbida de um sedutor de multidões, a relação entre pai e filha figura entre os momentos especialmente luminosos da obra que, ao reconstituir exemplarmente a trajetória do homem que empunhou por quase 20 anos o bastão de mando, incorporou Lira Neto à tropa de elite dos biógrafos brasileiros.

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“Da volta pela consagração popular ao suicídio”, resume o subtítulo do volume que exuma o período que vai de 1945 a 1954, provavelmente o mais instável, perturbador e sombrio do Brasil republicano. A temperatura política sempre roçando o ponto de combustão, o primitivismo da democracia ainda no berço e a selvageria eleitoral escancaram já nas páginas iniciais a inevitabilidade do final infeliz. No começo de agosto de 1954, quando se conformara em sonhar apenas com a conclusão do mandato, Getúlio foi surpreendido pelo atentado contra Carlos Lacerda.

Os desdobramentos do ataque consumado à revelia do presidente avisaram que a 25ª hora chegara. Sem que ninguém, nem mesmo Alzira Vargas, suspeitasse da partida iminente, ele fundiu as mensagens pressagas na carta testamento, o mais belo e comovente adeus produzido por um político. Às 8 e meia da manhã de 24 de agosto, disse ao barbeiro que iria dormir e pediu-lhe que fechasse a porta do quarto. Dois minutos depois, abriu à bala a porta de entrada da História.

 

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