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Augusto Nunes

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Nem de longe parece normal

Um dos temas que às vezes nos aproximam do mundo é esta sensação de que o centro político está em declínio, principalmente no Brasil

Por Fernando Gabeira
Atualizado em 30 jul 2020, 20h25 - Publicado em 15 jun 2018, 22h07

Fernando Gabeira (publicado no Estadão)

Estou em Moscou. Às vezes, de longe temos a ilusão de ver melhor o Brasil. Mas não há garantia de que essa situação complexa seja desvendada de fora.

Um dos temas que às vezes nos aproximam do mundo é esta sensação de que o centro político está em declínio. Mesmo assim, corremos o risco de estar falando de centros políticos diferentes, de declínios impulsionados também por forças distintas.

No Brasil, o principal estímulo para tratar do assunto são as pesquisas eleitorais. Nos Estados Unidos, é um exame mais prolongado da retirada de cena de políticos democratas e republicanos mais próximos do centro, mais propensos ao diálogo e a soluções negociadas. Ao longo das eleições, seu número vem caindo.

Na Europa, sucessivas derrotas da social-democracia acionaram o alarme para o crescimento das forças demagógicas, centradas na repulsa aos imigrantes e nas consequências da globalização. O Brexit pode ser atribuído a essa tendência, assim como a eleição de Trump nos EUA.

O centro difere da esquerda na medida em que não se baseia no conflito para crescer. E difere da direita ao afirmar que é necessário atenuar as distorções sociais que o capitalismo produz no seu curso triunfante.

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Se for realmente isso, o centro parece ter perdido substância ao acreditar que as mudanças sociais e culturais na globalização seriam resolvidas, naturalmente, pelo crescimento econômico. E errou mais ainda ao subestimar a temática nacional, supondo que a mística em torno da terra e da cultura fosse apenas nostalgia.

Uma das incaraterísticas do centro é apostar numa crescente liberdade, envolvendo todos os grupos minoritários. Nesse ponto, a esquerda que dominou o Brasil foi um alento para muitas lutas identitárias, também contempladas por Barack Obama.

O problema é que, à medida que essas lutas cresceram, declinou a energia necessária para uma coesão nacional. Muitas lutas identitárias se veem em confronto com a sociedade abrangente. Fixam-se no que chamam de seu território e seus valores próprios.

Como recuperar a ideia de um projeto nacional, algo que envolva a todos, apesar de suas diferenças?

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Ainda assim, esses elementos típicos da globalização me parecem ter um peso relativo diante do fator corrupção. Centro, direita e esquerda naufragaram no combate direto à roubalheira.

Nem todas as forças foram colhidas com a mesma intensidade. E nenhuma delas foi capaz de encarnar as aspirações sociais de transparência e condenação dessa prática.

Se alguma o fizesse, comeria o pão que o diabo amassou, pois bateria de frente com uma cultura enraizada no meio político. Pagaria com o isolamento e a hostilidade na convivência cotidiana. Mas de certa forma sobreviveria não só para contar a história, mas para juntar os cacos e prosseguir o seu curso.

A situação do Brasil, ao que me parece, não é apenas a do declínio do centro, mas de todas as forças organizadas que passaram pelo furacão investigativo. As intenções originais de votos em Lula, nos níveis do fim do século passado, sobreviveram, ao que indicam as pesquisas. Mas quando transplantadas para nomes do seu partido caem vertiginosamente.

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Os instrumentos tecnológicos à disposição revelam, no entanto, um avanço na consciência e na participação popular. Apontam para mais democracia, quem sabe uma complexa Atenas digitalizada.

No entanto, não aparecem os sinais de encontro entre esse mundo horizontal e uma ideia de governo. Os últimos foram marcados também por uma desconfiança na distribuição de renda, pelo alto preço que seus promotores cobraram da sociedade em desvios de verba pública e assalto às empresas estatais.

E nas últimas semanas Michel Temer enfraqueceu a ideia de democracia, usando-a para descrever a essência de sua reação à greve, titubeante e inepta.

Florescem no mundo, hoje, muitos governos autoritários, sobretudo em grandes países, como aqui, precisamente porque as pessoas associam a democracia liberal a um estado de bagunça e sonham em se tornar um “país normal”, isto é, que não se desintegre por falta de autoridade. Parecem preferir abrir mão de ampla liberdade pela sensação de viver num país estável.

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Ao associar seus erros e trapalhadas à democracia, e não à sua condição de remanescente de uma grande quadrilha, Temer contribui para aumentar o desencanto com essa forma de governo.

Não parece acidental que a polarização atual caminhe para duas personalidades fortes, que assustam o mercado. Mas o mercado, creio, é menos vulnerável a impulsos autoritários. Ele se adapta muito melhor do que os livres-pensadores, os que batalham pela liberdade de expressão e sonham com um modelo de democracia ocidental num conjunto de países emergentes onde ela não é a preferida.

Pesquisas eleitorais revelam apenas um instante. O inquietante nelas não é exatamente a posição dos atores em disputa. O inquietante é o que revelam da situação de fundo, bastante mais difícil de se transformar. Não só porque é complexa, mas também porque, num momento eleitoral, a tarefa dos candidatos não é entendê-la, mas explorá-la.

É um tipo de contradição, mais nova no Brasil: um grande avanço tecnológico que expandiu a consciência coletiva e a decadência assustadora do universo político, que poderia potencializá-la para grandes saltos de qualidade.

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Essa intensa troca de ideias num plano horizontal é uma espécie de antídoto contra o autoritarismo. Mas a decomposição do mundo político é um grande convite à sua chegada.

Não tenho fé religiosa na tecnologia. É uma ilusão avaliar as redes apenas pelo que têm de melhor. Uma corda serve para escalar a montanha ou para se enforcar. Daí, minha angústia.

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