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Augusto Nunes

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Memórias distantes

Há momentos em que sociedades flageladas decidem por um entendimento político tácito que certos assuntos foram encerrados

Por William Waack
Atualizado em 30 jul 2020, 20h22 - Publicado em 3 ago 2018, 16h47

William Waack (publicado no Estadão)

A reabertura da investigação sobre o assassinato no DOI/Codi de Vladimir Herzog por parte do MPF e o consequente apelo a invalidar a Lei da Anistia ─ que perdoou crimes cometidos nos dois lados da guerra suja brasileira ─ trouxeram de volta a mim memórias muito pessoais que, confesso, estavam bem distantes. Simbolicamente representadas na morte terça-feira última de Hélio Bicudo, naquela época um herói para mim e exemplo de coragem como o homem que enfrentou o Esquadrão da Morte.

Lembranças pessoais nada têm a ver com a maneira como sociedades “trabalham” períodos traumáticos de sua história, isto é, como “lembram” (ou decidem esquecer) esse tipo de acontecimento. Lição que aprendi participando diretamente durante cinco anos seguidos da cobertura jornalística de como a Alemanha reunificada lidou com o legado vivo e palpitante de uma odiosa ditadura comunista, também acusada de crimes contra a humanidade.

Há momentos em que essas sociedades (e aqui incluiria os exemplos de Espanha, Chile, Argentina e Uruguai ─ mais complexos são os casos de França e Itália) decidem por um entendimento político tácito que o assunto foi encerrado. Por mais ofensivo e dolorido que possa parecer, por exemplo, à viúva de Vlado e seus filhos. E parece-me bastante óbvio que o mesmo ─ página virada ─ ocorreu já no Brasil. Não se trata aqui de examinar argumentos jurídicos para invalidar a anistia, e que me parecem bastante frágeis, devido ao fato de que os constituintes de 1988 plantaram-se sobre essa lei para propor a rota futura do País.

Por mais que grupos e personalidades políticas ligadas ao que se convencionou chamar de “esquerda” no Brasil insistam, a tal “memória coletiva” (concordo, de difícil definição) sobre a sequência de acontecimentos datados a partir de 1964 não é nem de longe e não guarda a menor comparação com processos político eleitorais de uma Espanha, um Chile ou uma Argentina pós-ditaduras. Mesmo a recente publicação de papéis da CIA segundo os quais decisões de matar inimigos foram tomadas por generais dentro do Palácio do Planalto sequer arranha a superfície de um estado de espírito na sociedade segundo o qual o passado pouco interessa para decisões que têm de ser tomadas a partir das votações de hoje.

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Pode-se lamentar esse tipo de coisa, mas me parece um fato da nossa realidade política. Em outras palavras, não há uma “memória coletiva” dos males de uma ditadura (como foi a brasileira) que sirva para definir como parte expressiva do eleitorado encara a candidatura de Jair Bolsonaro, e tentar destruir a candidatura dele por esse caminho, o de confrontá-lo com a ditadura militar, revelou-se até agora bem pouco eficaz. Há semelhanças com o fenômeno político-eleitoral americano recente, no qual, em vez de perder, Trump ganhava projeção com o que a sabedoria política convencional considerava posturas intoleráveis do então candidato.

As pesquisas indicam que o eleitorado brasileiro este ano postula honestidade pessoal como critério primordial para escolher candidatos, e esse é claramente um julgamento moral. Só posso dizer que, em algum momento na nossa rota, nós brasileiros perdemos (se é que uma vez tivemos) a noção de critérios morais mais abrangentes, substituídos até aqui nesta corrida eleitoral pela doutrina do saco cheio, do vamos acabar com tudo, do não me importam as consequências (vide greve dos caminhoneiros).

Não sei se este estado de espírito se altera com a entrada da clássica propaganda eleitoral na TV, que privilegia por exemplo Geraldo Alckmin contra Jair Bolsonaro. Por enquanto, parece que não.

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