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Augusto Nunes

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Let´s go to Brazil

TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA QUARTA-FEIRA Guilherme Magaldi Netto* Para quem não conhece, John Dillinger – interpretado no cinema pelo ator americano Johnny Depp – foi o gângster mais procurado pelo FBI em Chicago no início dos anos 1930. Nas cenas finais do filme Inimigos Públicos (Public Enemies), Dillinger, encurralado pela polícia após a morte […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 13h10 - Publicado em 12 jan 2011, 15h29

TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA QUARTA-FEIRA

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Guilherme Magaldi Netto*

Para quem não conhece, John Dillinger – interpretado no cinema pelo ator americano Johnny Depp – foi o gângster mais procurado pelo FBI em Chicago no início dos anos 1930. Nas cenas finais do filme Inimigos Públicos (Public Enemies), Dillinger, encurralado pela polícia após a morte de seus comparsas, abraça a namorada, Billie Frechette, e lhe propõe: “Vamos fugir. Let’s go to Brazil”.

Infelizmente, não só no cinema, no imaginário de Hollywood, mas também na vida real o Brasil adquiriu fama internacional de país da impunidade e é visto no exterior como porto seguro para fugitivos da Justiça. Aqui buscaram refúgio, no passado recente, criminosos de todo tipo, dentre outros, o famoso assaltante britânico Ronald Biggs, conhecidos nazistas alemães, como Franz Stangl e Gustav Franz Wagner, terroristas como o belga Patrick Hamers ou membros de organizações paramilitares como os montoneros e os tupamaros, ditadores sul-americanos (Stroessner é um deles ), mafiosos de várias nacionalidades (quem não se lembra do italiano Tommaso Buschetta?), traficantes de drogas e, recentemente, o israelense Elior Hen, que espancava crianças em nome de uma seita religiosa.

Cesare Battisti, por coincidência, também escolheu o Brasil. Por que deveríamos mantê-lo em nosso território? O que ganharíamos com isso, além de ver nossa reputação mais abalada ainda?

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Battisti é um homicida. Matou ou participou da morte como coautor de quatro pessoas, dentre elas um açougueiro e um joalheiro italianos. Cometeu, pois, infrações penais comuns, sem motivação política alguma, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo, aliás, parecer do procurador-geral da República. Tollitur quaestio. Ninguém, nem o presidente da República, pode mais alterar a natureza ou a motivação dos crimes imputados a Battisti.

Battisti alega, no entanto, que não haveria prova suficiente de sua participação nesses quatro assassinatos. Ele seria inocente. A Justiça italiana disse exatamente o contrário. As provas seriam contundentes e aptas a suportar juízo condenatório. Battisti, para o Judiciário italiano, é realmente culpado. Nesse contexto, seria teratológico imaginar que um tribunal brasileiro, e muito menos autoridades do Poder Executivo, pudessem absolver Battisti sumariamente, funcionando como uma espécie de órgão revisor das decisões das Cortes de país estrangeiro.

Os crimes, por outro lado, não estão prescritos, quer aqui, no Brasil, quer lá, na Itália. Assim também decidiu a nossa Corte Suprema, com força de coisa julgada, como se diz no jargão jurídico.

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Acrescente-se, ainda, que a insuspeita Corte Europeia de Direitos Humanos, ao julgar o caso Battisti, concluiu que a ele tinha sido garantido, pelos tribunais italianos, o mais amplo acesso aos meios processuais de defesa e ao devido processo legal. Vale dizer: segundo a jurisdição europeia, a condenação de Battisti resultou de um processo justo sob todos os aspectos legais, ao contrário do que apregoam, falsamente, os seus advogados e admiradores.

Sim, é certo, um ex-ministro da Justiça entrou em cena extemporaneamente, quando já tramitava o processo extradicional, e criou um imbróglio dando a Battisti o status de “refugiado político”. No Supremo, onde impera o bom senso, o tresloucado ato administrativo foi tido por ilegal, já que Battisti não preenchia os requisitos previstos em lei para ser reconhecido como refugiado – o que, aliás, o órgão competente nessa matéria, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, já havia dito antes. Logo, Battisti não é mais um “refugiado político”. E não pode, é claro, “readquirir” esse status, sob pena de se afrontar decisão da mais alta Corte do País.

Não há, em suma, nenhum título jurídico que garanta a permanência de Battisti no Brasil. É um estrangeiro, passível de extradição, que se encontra em situação ilegal no País: não tem passaporte (o que tinha era falsificado), não tem visto (também falsificado) e, o que é pior, é um foragido condenado pela Justiça italiana.

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Cabe, por isso, às autoridades brasileiras entregá-lo imediatamente à Itália. É obrigação ex lege. Se não a cumprirem, estarão violando a lei, isto é, o Tratado de Extradição Brasil-Itália, que, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo presidente da República, se incorporou definitivamente ao nosso ordenamento jurídico.

Dizem, todavia – e é verdade –, que o tratado prevê uma hipótese única de recusa de entrega do extraditando: “razões humanitárias” (sic). Por aí, por essa brecha da lei Battisti escaparia da Justiça uma vez mais, agora com o aval do ex-presidente da República, que, pasme-se, se negou a entregá-lo à Justiça italiana.

“Razões humanitárias”? Pelo que se sabe, Battisti não está no leito da morte, não é portador de nenhuma doença grave e incurável, tampouco tem família ou filhos brasileiros que dele dependam para seu sustento, e seria um delírio alguém concluir que nas prisões italianas terá tratamento mais desumano do que nos cárceres brasileiros. Pior asneira ainda seria imaginar que em pleno século 21 Battisti pudesse sofrer algum tipo de perseguição em território de país europeu, onde há efetivo controle internacional de violações de direitos humanos.

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Enfim, além do vexame internacional, o ato presidencial é um rematado absurdo, tanto jurídico como político, mas tudo é possível nesse caso, em que definitivamente, não imperam mais a razão, o bom senso e o Direito. Se ficar no Brasil por “razões humanitárias”, terá valido a pena para Battisti seguir o conselho do gângster americano e de tantos outros criminosos que aqui aportaram: “Let”s go to Brazil”.

*Advogado, mestre em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de Louvain (Bélgica), procurador regional da República, foi consultor jurídico do Ministério da Justiça

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