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Augusto Nunes

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J. R. Guzzo: ‘Supremo Tribunal Cultural

Publicado na edição impressa de VEJA J.R. GUZZO Se alguém, seja lá pelo motivo que for, quer impedir que alguma tarefa útil seja executada na cultura brasileira, pode chamar o Ministério da Cultura; o resultado é 100% garantido. E as secretarias de Cultura, ou outros mamutes culturais do poder público – haveria algum risco de […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 02h00 - Publicado em 1 mar 2015, 15h54

Publicado na edição impressa de VEJA

J.R. GUZZO

Se alguém, seja lá pelo motivo que for, quer impedir que alguma tarefa útil seja executada na cultura brasileira, pode chamar o Ministério da Cultura; o resultado é 100% garantido. E as secretarias de Cultura, ou outros mamutes culturais do poder público – haveria algum risco de fazerem algo de bom? Fiquem todos sossegados: não há o menor perigo de que venha a acontecer, também aí, qualquer coisa que preste. Os fatos, sempre eles, são a prova disso.

O Museu do Ipiranga, monumento básico da cultura de São Paulo, está fechado até 2022; é uma proeza que se candidata ao livro de recordes da cervejaria Guinness. A formidável Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro vive esperando o padre para receber a extrema-unção. (Ainda recentemente passou meses a fio sem ar condicionado, com temperaturas internas que chegaram aos 50 graus. Nos últimos doze anos o governo fez três planos de carreira para seus funcionários; não cumpriu nenhum.)

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O Museu Nacional de Belas Artes, também no Rio, com 200 anos de história e sua notável fachada de estilo Renascença francesa, é humilhado por goteiras. As construções das cidades históricas de Minas Gerais e do Norte, relíquias únicas da arquitetura colonial brasileira, podem virar entulho. Cinquenta anos após sua fundação, Brasília, a capital do Brasil Potência, ainda não tem um museu decente. É a vitória do Bolsa-Cupim.

Mas as figuras que mandam desde 2003 na máquina pública brasileira não se contentam com isso. Além de se negarem a fazer o trabalho pelo qual são pagas, querem, acima de tudo, decidir o que é cultura neste país e o que não é — ou o que é cultura certa e o que é cultura errada. São contra, é claro, essa cultura “que está aí”. A única que admitem é a sua, e no Brasil de hoje isso quer dizer “cultura popular”. Basicamente, trata-se de um conjunto de atividades exercidas por pessoas que não sabem pintar, escrever, compor uma melodia, fazer um filme ou montar uma peça de teatro capazes de interessar a alguém — e que são sustentadas, de um jeito ou de outro, pelo Erário, por serem contra a “arte burguesa”, a favor da “arte dos desvalidos” ou praticarem algum outro truque que esconda a sua falta de talento, de mérito e de público.

Seu grão-vizir no momento é o doutor Juca Ferreira, ministro da Cultura (pela segunda vez), ex-secretário da Cultura da prefeitura de São Paulo e marechal de campo no combate contra o modelo de cultura “excludente”; imagina que “uma política cultural abrangente é um essencial instrumento da construção de uma nova cultura política”. O ministro Juca e todos os que ganham a vida como ele formam hoje o Supremo Tribunal Cultural brasileiro. Não cabe nenhum recurso contra as suas decisões.

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O último feito de armas dos árbitros que ora determinam se podemos ou não gostar disso ou daquilo deu-se na cidade de São Paulo, governada pelo PT do prefeito Fernando Haddad. Para executar sua “política de cidadania cultural”, a prefeitura resolveu convocar grafiteiros amigos para pichar os “Arcos do Jânio”, um modesto conjunto de arcadas que alivia um pouco a paisagem de deserto do centro de São Paulo. Esses arcos nunca fizeram mal a ninguém. Não são o Coliseu de Roma ou a Catedral de Notre-Dame de Paris, mas é o que temos — e, já que temos tão pouco, supõe-se que esse pouco deveria ser deixado em paz.

Nada disso: a prefeitura de São Paulo tem uma política cultural a executar. No caso, sem consultar ninguém, sepultou as arcadas sob um amontoado de rabiscos, borrões e desenhos deformados. Oficialmente, isso é “arte da periferia”. Na prática, trata-se apenas de degradar a superfície de um muro. Esse tipo de coisa, como se sabe, sempre pode ficar pior, e ficou. Não demorou muito e apareceu, no meio da pichação, um rosto que é a própria fotografia do coronel Hugo Chávez, o líder de massas da Venezuela que a esquerda mais rústica tenta transformar num novo “Che” Guevara, ou algo assim. Chávez? Nem pensar, diz a autoridade municipal. O autor queria apenas pintar um “rosto negro”, só isso. Foi pintando, pintando — e no fim, quem diria, saiu uma figura que é a cara do Chávez. Que coisa, não? Essa vida é mesmo uma caixinha de surpresas.

O prefeito se encanta com o homem que presenteou a Venezuela com a falta de papel higiênico? Problema dele. Mas Haddad foi eleito para governar a cidade por quatro anos; não tem o direito de privatizar a paisagem urbana para exibir suas crenças políticas, nem de mudar o “gosto conservador do paulistano”. Isso não é promover cultura. É fazer propaganda, apenas.

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